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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Uma greve é propriedade de quem?

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A governação de António Costa tem enfrentado uma realidade mais dura que a governação de Passos Coelho, no tempo da Troika, com uma clara insatisfação social patente no volume de pré-avisos e de greves concretizadas (apesar de menos greves gerais, o Governo do PS enfrentou um acréscimo considerável de greves sectoriais). Contexto que contrasta com a bandeira do Governo de que o país estaria, agora, bem melhor. Mas a verdade é que há mais vida para além do défice. E o país parou (e continua a parar) demasiadas vezes (e por demasiado tempo) na justiça, nos transportes, na segurança, na economia (veja-se o impacto da greve dos estivadores), na educação e na saúde.

Mas os contextos das greves não têm trazido apenas a contestação social e profissional para a "rua", transportando igualmente uma pressão permanente sobre o Governo, que se tem mostrado difícil de gerir.
Têm-se revelado uma enorme machadada no sentimento, pós 25 de Abril, de posse e de "propriedade" do exercício do direito à greve. Nestes quatro anos de "geringonça" foram crescendo, ou pelo menos, tornaram-se mais activos e presentes os movimentos sindicais independentes, colocando em causa (e ferindo) a hegemonia partidária e sindicalista, nomeadamente da CGTP e dos partidos de esquerda (por exemplo, PCP e BE). A reivindicação social e laboral deixou, notoriamente, de ser uma exclusividade do movimento sindical e dos partidos de esquerda. E esta realidade tem-se mostrado difícil de gerir nas cúpulas da Intersindical, dos comunistas e bloquistas.

Realidade que também se tem mostrado demasiadamente dura para o Governo do PS (também ele posicionado à esquerda) porque pelos números (quantidade), pelas dimensões (impactos) e pela frequência, as "contas e Mário Centeno" não batem certo com as "contas do país". E o aproximar das próximas eleições legislativas não irão trazer, garantidamente, uma maior paz social. Bem pelo contrário. Não há sector vital da vida do país que não esteja em ebulição, desiludido, frustrado, injustiçado, ... .

António Costa e o Governo já se aperceberam disto e entraram num patente "desespero político". Basta recordar a pressão sentida pela ministra da Justiça em relação aos Oficiais de Justiça, aos Magistrados e aos Guardas Prisionais; a pressão sobre o ministro da Educação em relação aos Professores e, na agenda mediática, toda a revolta no sector da saúde, com o expoente máximo na infindável e incontrolável greve dos Enfermeiros.

Qualquer greve tem pelos menos dois objectivos claros: alertar a opinião pública para a insatisfação de um determinado sector profissional ou área da sociedade e, por outro lado, pressionar o poder para a satisfação de um conjunto de reivindicações. Isto não é possível garantir sem impactos no dia a dia e na vida do país. Quer isto dizer que todas as greves são iguais e têm o mesmo peso? Obviamente que não... e a diferença é, claramente, medida pelo impacto nos cidadãos, nas empresas, no funcionamento do Estado e na economia.
Torna-se evidente, provavelmente até para quem protagoniza a greve, que uma paralisação na área da saúde comporta riscos acrescidos em relação aos "danos colaterais" , porque mexe com algo muito delicado (a própria saúde/vida das pessoas). Mas tal não pode significar, por muito que possa custar à sociedade, a rotulagem de ilegalidade já que o direito à greve, a qualquer greve, é constitucionalmente universal. Daí que existam os mecanismos legalmente previsto para minimizar os impactos de determinadas greves: os serviços mínimos ou, em última instância, o recurso à chamada "requisição civil".

Só a demonstração prática de incapacidade política para gerir a conflitualidade social é que pode levar o Primeiro-ministro, de um governo de esquerda, a apelidar uma greve de ilegal ou de selvagem. Poder-se-á questionar, juridicamente, a ilegalidade do financiamento que surgiu por via de uma plataforma de crowdfunding. Até porque o precedente abre um novo paradigma na concepção do direito à greve que pode ser "perigoso" e desvirtuar, totalmente, a essência de qualquer reivindicação. Mas isso não retira, em nada, a legalidade do exercício do direito à greve e a sua legitimidade (esta, pelo menos, do ponto de vista de quem a promove e concretiza).

A greve dos enfermeiros, a denominada "greve cirúrgica", tem impacto no país? Claramente... principalmente quanto à garantia da saúde de muitos portugueses. Mas não deixa de ter também (mesmo que em menor escala, como é óbvio) impacto político para o Governo e para, principalmente, a CGTP, o PCP e o BE. A estes últimos retira a hegemonia e a exclusividade ideológica da "agitação social". Para o PS, António Costa e o Governo, retira claramente o "sono" e a tranquilidade governativa porque põe a nu um país, afinal, carregado de insatisfação, sem investimento público, com uma enorme desresponsabilização do Estado Social, com uma sociedade carregada de problemas e sem respostas, e, objectivamente, um país muito menos "cor de rosa" do que é pintado.

E esta contestação social que estes quatro anos foram, gradualmente, vivendo com números impensáveis tem uma enorme carga política: muda o paradigma da "titularidade" sindical do direito à greve, com o qual a CGTP não tem sabido lidar (basta ver o seu silêncio constrangedor) e tem a curiosidade, pasme-se, de ser num "reinado" socialista, suportado pela esquerda radical, que hoje se coloca em causa a legalidade de uma greve, se equaciona (a cereja em cima do bolo) a limitação do direito à greve ou o seu conceito jurídico e constitucional.

Agora imagine-se o que seria o rasgar de vestes por parte do PS, BE, PCP e CGTP se isto fosse num governo do PSD.
Até criava um crowdfunding só para ver...

O dito pelo (não) dito... (3)

ou, de outra forma: "nem uma coisa, nem outra... antes pelo contrário". Desbloqueador de frases públicas (as frases da semana).

  • “Deus quis que Donald Trump fosse presidente”, garante Sarah Huckabee Sanders (responsável pela gestão da Imprensa na Casa Branca). É por estas (não) por outras que cresce o número de descrentes e ateus. Como crente, acho que Deus tem muito mais trabalho e que fazer do que eleger presidentes evangélicos.
  • PCP aponta promiscuidade político-económica como razão da corrupção, segundo João Ferreira (eurodeputado comunista). Será que João Ferreira renunciou à sua recandidatura europeia? É que a afirmação cai em cima de uma semana nada positiva para a "moralidade ideológica" do PCP: «rede vermelha: câmaras comunistas adjudicam 2 milhões de euros a empresas de militantes» (Observador) ou «autarquias do PCP adjudicaram milhões a empresas de militantes» (ECO).
  • Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, entende que a Regionalização deve estar em cima da mesa na próxima legislatura. Porque é que o actual polémico processo da Descentralização se parece com a construção de uma casa começada pelo telhado?
  • O ex-ministro Manuel Maria Carrilho voltou a ser presente a Tribunal para a repetição do julgamento dos crimes de violência doméstica. O primeiro julgamento absolveu o ex-ministro da Cultura, mas o processo foi reaberto após recurso do Ministério Público.
    À saída da primeira audiência, no Campus de Justiça, em Lisboa, Carrilho firmou apenas «Continuo confiante».
    Também os que defendem o respeito pela dignidade e a igualdade de direitos estão confiantes... confiantes que agora se faça justiça "à séria".
  • “Espero chegar aos dois dígitos no Parlamento”, afirmou Santana Lopes numa antevisão das próximas legislativas. Caro ex-presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz e de Lisboa, ex-primeiro ministro, ex-provedor da Santa Casa de Lisboa, ex-militante do PSD... dois dígitos são fáceis de alcançar, podem é estar à direita do "0", por exemplo "0,99%".
  • E a "cereja em cima do bolo"... É uma afirmação comprida, do comunista João Ferreira à agência Lusa mas que vale a pena dar nota.
    “A questão dos Orçamentos do Estado, não foram orçamentos do PCP, foram orçamentos do Governo do PS porque este é um Governo PS, não é um Governo das esquerdas, nem sequer um Governo de esquerda”. Ora nem mais... mais vale tarde que nunca. João Ferreira vem agora demonstrar o que sempre aqui foi dito: durante quatro este "processo" da Geringonça apenas serviu para enganar os portugueses (ou alguns). Chegados a novo ciclo eleitoral... "zangam-se as comadres, surgem as verdades".

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