É uma pena a Rosa Mota não gostar de cerveja...
Em Portugal, por mais sucessos que atletas como Nélson Évora, Patrícia Mamona, Telma Monteiro, Nuno Delgado, João Vieira, Carla Rocha, Ana Félix, entre tantos outros, alcancem importantes feitos competitivos, ou por mais que a memória nos faça recordar nomes como Jéssica Araújo, Fernanda Ribeiro, Manuela Machado ou Fernando Mamede, a verdade é que só há dois nomes incontornáveis no atletismo português e que souberam elevar o nome de Portugal bem alto, como o fizeram (no futebol) Eusébio ou Cristiano Ronaldo: Carlos Lopes e Rosa Mota. São símbolos do desporto português, referências máximas no atletismo nacional. E no caso da Rosa Mota há, de norte a sul, do litoral ao interior, um especial carinho pela pequenina portuense, carregada de títulos, medalhas e distinções: vencedora da 1.ª maratona feminina oficial (Atenas, Campeonato Europeu de Atletismo - 1982); depois do bronze de 1984, conquistou, de forma irrepreensível, a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988; tri-campeão Europeia (Atenas 1982, Estugarda 1986 e Split 1990); campeão do Mundo em Roma (1987); vencedora de inúmeras maratonas, nomeadamente titularíssima (seis vezes consecutivas) na famosa prova brasileira S. Silvestre, em S. Paulo. Consagrada e reconhecida internacionalmente, em 2004 Rosa Mota transportou a chama olímpica pelas ruas de Atenas por ocasião dos Jogos Olímpicos.
Um palmarés, uma carreira, um 'estrelato' invejáveis, em qualquer modalidade, em qualquer profissão. Facto.
Mas nem tudo são "rosas". Às vezes, mesmo que raramente, no melhor pano cai a nódoa.
Ontem foi inaugurado o renovado 'Rosa Mota', na cidade do Porto. Projecto concretizado pela actual governação autárquica de Rui Moreira, foram investidos mais de 8 milhões de euros para que o renovado espaço multidisciplinar (cultura, desporto, empresas/negócios) passasse a albergar 5.500 lugares sentados ou até 8.000 em espaço livre.
E quando seria expectável que pelo menos a região do Porto e do Norte estivessem a discutir o valor do investimento, a dimensão (ou a falta dela) do resultado final (recorde-se que o Altice Arena suporta entre 20 a 25 mil pessoas, ou a existência de espaços semelhantes no Porto, como, por exemplo, o Coliseu que comporta cerca de 4.000 pessoas), o projecto programático que se avizinha para aquele mítico espaço portuense, etc., eis que a inauguração da requalificação fica envolta numa estéril e inconsequente polémica toponímica. Diga-se, em abono da verdade, com manifesta vantagem para a Câmara Municipal de Porto (e Rui Moreira), em detrimento da posição questionável ou criticável de Rosa Mota, neste processo.
Segundo a Atleta, a mesma sentiu-se enganada com o naming final atribuído ao espaço - SuperBock Arena / Pavilhão Rosa Mota - quando, aparentemente, o compromisso com Rui Moreira seria algo como "Pavilhão Rosa Mota - Superbok Arena".
Não estou muito interessado em perceber quem alterou o quê, como ou porquê, e se alterou ou não o acordado. Infelizmente, na política e na gestão da coisa pública há demasiados casos e exemplos do "o que hoje é verdade, amanhã.... logo se vê".
O que me surpreende são os argumentos usados por Rosa Mota, quando lhe bastava o pressuposto do engano, da falta de assunção do compromisso, o direito à defesa do seu bom nome. Mas não...
Importa, por isso, desmistificar a pseudo polémica e os argumentos categorizada Atleta de não querer associar o seu nome a uma bebida alcoólica ou de ver invertida a hierarquia de identidades.
Primeiro, para muitas gerações, nomeadamente aquelas que ficaram suspensas, noite dentro e madrugada fora, para ver Rosa Mota cortar a meta em Seul, conquistando a medalha de ouro, para muitos cidadãos do Norte e do Porto, o (ex) Pavilhão Rosa Mota ainda hoje é (e será) o eterno Palácio de Cristal. Portanto, falar de apropriação de titularidade não será muito coerente.
Segundo, muitos portugueses sempre admiraram a Rosa Mota não só pelas suas qualidades desportivas mas, igualmente, pela sua personalidade, pela simplicidade e (sem falsa modéstia) humildade. Entrar, hoje, num escusado jogo ou confronto de egos não abona, de todo, a favor de Rosa Mota. Ser "Superbock Arena - Pavilhão Rosa Mota" ou "Pavilhão Rosa Mota - Superbock Arena" é, na prática, irrisório, absurdo, indiferente, já que a discussão se deveria centrar se a "alma" do Palácio de Cristal, ícone da cidade do Porto, deveria estar, ou não, à 'venda'.
Terceiro, tendo sido mantida a referência ao seu nome (com mais ou menos destaque, é secundário) importa principalmente o resultado final da requalificação porque fica sempre a questão: é preferível ser "secundarizado", mantendo a indicação 'Pavilhão Rosa Mota', mas ter sido feito um trabalho importante de requalificação, reabilitação e recuperação de um imóvel e espaço referência na cidade do Porto e na região... ou, pelo contrário, continuar a ser, orgulhosamente, a única "titular" mas de um espaço e edifício degradado, inútil, abandonado e desprezado?
Por último, é ridículo ou demasiado redutor, para não dizer surreal, o argumento que condena a associação do seu nome (Rosa Mota) a uma bebida alcoólica. O Porto (e a região) sempre tiveram como referência identitária o Vinho do Porto e nem por isso faz dos portuenses alcoólicos ou desconsidera, desonra ou deprecia a cidade do Porto. Além disso, a marca Superbock (nacional, diga-se) é uma das referências de marketing nacional (vende e faz vender).
Por outro lado, Rosa Mota deu um enorme tiro no pé, neste processo. A atleta esqueceu-se que é confrade honorária da Confraria da Cerveja desde novembro de 2008, cujo objectivo é divulgar, prestigiar e dignificar a cerveja em Portugal. Ora bolas... "Azarito"!
Pessoalmente, podem fazer o branding que quiserem ao espaço... sou apreciador de cerveja, gosto da Superbock. Mas, acima de tudo e apesar de tudo, vou continuar a admirar e a vergar-me perante a Rosa Mota, da mesma forma que vou sempre olhar para o tal de "Superbock Arena" como o Palácio de Cristal.