40 anos “depois do adeus”
publicado na edição de hoje, 27 de abril, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
40 anos “depois do adeus”
Por voltas das 23 horas da noite de 24 de abril de 1974 entoava, através da rádio Emissores Associados de Lisboa, uma das músicas vencedora de um festival da canção: E depois do Adeus, de Paulo de Carvalho. Poucos minutos depois da meia-noite, a Rádio Renascença transmitia uma das músicas proibidas pela censura: Grândola Vila Morena, do aveirense Zeca Afonso. Estava lançado o Golpe de Estado que derrubaria os 48 anos de regime ditatorial imposto por Salazar e prolongado por Marcelo Caetano. E naquela madrugada/manhã, junto com os militares, o Povo (todo) saiu à rua para gritar Liberdade. Em 1974, naquele dia, como hábito, levantei-me para, juntamente com a minha irmã, irmos para a escola (sim… não era um sábado, era uma quinta-feira; não estávamos de férias, era abril; não havia futebol na rádio, havia aulas). As notícias, algo confusas e por confirmar, faziam acordar Aveiro com algum naturalidade (apesar da ansiedade crescente) que seria “posta em causa” com o desencadear sucessivo da informação ao longo do dia. Para muitos da minha geração (64-66), o impacto dos acontecimentos e do período conturbado vivido nos anos imediatos só com o evoluir da história ia criando raízes e construindo uma realidade. Aquilo que vivi nesses períodos, com marcas pessoais, com significados e realidades distintas, foi o suficiente para determinar a minha vivência de abril e destes 40 anos volvidos: 74 marca a conquista da Liberdade, 75 estabelece a Democracia (consolidada a 25 de abril de 76 com a Constituição da República Portuguesa). Estas realidades são uma conquista de todos e para todos. E ao fim destes 40 anos há algo que os portugueses ainda não conquistaram: o valor universal (e não “propriedade” de alguns) do 25 de Abril.
A jornalista Fernanda Câncio descreve-o de forma interessante no seu artigo de opinião, no Diário de Notícias, da edição de sexta-feira, 25 de abril: “No fim da estrada” (algo que gostaria de ter escrito a “duas mãos” ou co-assinado).
É um facto que o país atravessa significativas dificuldades, os portugueses são chamados a sacrifícios e a esforços intensos, com situações de pobreza, de desemprego, de desvalorização do valor do trabalho. No entanto, importa recordar, no que têm sido os “altos e baixos” desta construção diária e permanente do país, o que foram os dois processos idênticos de ajuda externa (1977 e 1983). Mas o que se afigura como irrealista e absurdo é comparar (e querer recuar) os dias de hoje com o país pré-25 abril: pobre (metade das habitações não tinha água canalizada, cerca de 40% não tinha instalação sanitária, e cerca de 30% não tinha electricidade), sem escolaridade (33% de analfabetismo), sem acesso universal à saúde e ao ensino (nomeadamente o superior), sem formação (apesar do ridículo da afirmação de Durão barroso sobre o ensino no Estado Novo), com elevada taxa de mortalidade infantil, etc. Mas para além disso, sem liberdade (de expressão, opinião e informação), sem democracia (sem participação livre, com o voto condicionado e limitado), sem pluralidade (é, perfeitamente, despropositado dizer-se que antigamente a política e os políticos eram melhores que hoje). E em relação a estes valores de Abril (as portas que Abril abriu) não faz, hoje, qualquer sentido colocar em causa. Até pela contradição entre afirmar-se que a “democracia e a liberdade faliram” e a própria realidade, quando é a mesma democracia e mesma liberdade que nos permitem manifestarmo-nos (já na próxima semana celebra-se mais um 1º de Maio), criticarmos, descermos a Av. da Liberdade, concentrarmo-nos no Largo do Carmo, elegermos e sermos eleitos (já no próximo mês há eleições livres e democráticas), exercermos o direito cívico de participar na construção da sociedade.
A democracia não é, obviamente, um modelo perfeito e isento de falhas. Mas é, garantidamente, o menos mau de todos os modelos político-sociais. Percorremos 40 anos… parece-me um caminho demasiado longo para que se queira recordar um passado (para além da memória e da história colectivas) e voltar para trás. Se bem que, ao contrário do título do artigo da Fernanda Câncio (“No fim da estrada”), acho que ainda há caminho para percorrer para combater a imaturidade política de muitos portugueses, da indiferença nos momentos de decisão e de participação, no comodismo e conformismo instalados. E este desígnio de Abril ainda falta cumprir.