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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

E agradecermos à Irlanda?

Demagogias (e convicções) políticas à parte.

O Estado português, ao fim de dois anos de resgate financeiro (troika), regressou aos mercados de financiamento colocando dívida pública soberana (a cinco anos). Numa operação que se manifestou um sucesso, apesar de fortemente pré-preparada, o Estado arrecadou cerca 2,5 mil milhões de euros de financeiro, com uma taxa de juro considerada record (mínimo) e inferior a 5% (cerca de 4,8%). Apesar da forte procura (segundo o Governo foi cinco vezes superior ao estimado) Portugal pagará mais juros por esta operação obrigacionista do que a última colocação de dívida pública irlandesa no mercado (início deste mês) que ronda os 3,4%.

Independentemente dos méritos, esta é uma boa notícia para uma parte do problema: o refinanciamento do Estado e da economia, mesmo que apenas com um pequeno passo.

Por isso é que o confronto político sobre a temática, principalmente entre PS e PSD/CDS (Governo), não encontra um vencedor.

O PS porque (como muito bem descreve a Estrela Serrano em “Governo – 1, PS – 0: o treinador não esteve à altura do desafio”) não soube capitalizar, no momento certo, um discurso que vinha repetidamente profetizando mas que acabou por se revelar inadaptado face ao sucesso da colocação de dívida pública nos mercados. Por outro lado, a renegociação das condições do memorando (mais tempo e diminuição dos juros) parece não ser, afinal, uma necessidade tão premente para uma das vertentes da saída da crise (desenvolvimento da economia). Além disso, importa referir que o sucesso da operação de refinanciamento provocou uma importante reacção financeira:  as quedas acentuadas dos juros da dívida pública para os prazos de dois e dez anos.

No caso do Governo, fazer desta operação uma excessiva euforia política é, simultaneamente, pura demagogia política e o encapotar do resto da realidade que é o ajuste das contas públicas e a austeridade que tem sido implementada (a crise interna). E acima de tudo, apesar do sucesso e da operação ter sido estrategicamente bem preparada e de termos regressado ao mercado antecipando, em vários meses, a data perspectivada (setembro/outubro), a verdade é que a confiança reconquistada aos investidores tem, eventualmente, um maior mérito externo que interno.

Para este sucesso e o retomar da confiança dos investidores (93% estrangeiros: 80% de fundos, 4% de seguros e 9% da banca) contribuiu, naturalmente, o cumprimento das metas impostas pelo memorando de resgate (o défice de 2012 poderá ficar nos definidos 5%, mesmo que à “custa” da ANA); as medidas do BCE; a imagem que a União Europeia tem transmitido sobre Portugal e o programa de ajustamento das nossas finanças públicas, ao ponto de justificar a flexibilização do cumprimento das metas impostas no memorando (mesmo que ainda não se saiba o que isso nos irá custar).

Mas apesar destes factores todos há um outro que se revelou extremamente importante e marcante: não nos podemos esquecer que a Irlanda (país igualmente sobre resgate financeiro) regressou aos mercados já no início deste mês, abrindo a tão badalada “janela de oportunidades” para o sucesso português. Mas mais ainda… a Irlanda assumiu, a 1 de janeiro, a presidência do Conselho da União Europeia. O que não pode deixar de poder ser considerado um aspecto importantíssimo, quer para as posições da UE que foram recentemente tomadas, quer para a confiança do próprio mercado de investimento. E a questão coloca-se, com alguma racionalidade: se não fosse essa realidade Portugal teria tido capacidade para regressar aos mercados?

Por fim… é legítimo exigir do Governo toda a clareza e verdade no seu discurso. Esta operação não terá, directamente, implicações no esforço que os portugueses estão a fazer e as dificuldades porque estão, e continuarão, a atravessar na consolidação das contas públicas.