Rua Direita: porque sim e porque não.
Publicado na edição de hoje, 10 de fevereiro, do Diário de Aveiro.
Entre a Proa e a Ré
Rua Direita: porque sim e porque não.
Já perdi a conta ao número de artigos que escrevi sobre a Rua Direita (devem andar perto da dezena). Não que o número em si tenha alguma importância, mas sim o facto de tal traduzir uma preocupação pessoal por aquela zona urbana, por diversas razões: proximidade à zona de infância e juventude (percorrida vezes sem conta); a sua centralidade; o papel que desempenhou no crescimento da cidade; a sua história e a sua vertente cultural e política.
Num claro sentido de cidadania e no pleno exercício do direito à participação têm surgido, recentemente, vários sinais de preocupação, de reflexão e de propostas para repensar o futuro da cidade de Aveiro, nomeadamente no que diz respeito ao centro da cidade, ao seu espaço público, espaço urbano, comércio, empreendedorismo e cultura: Rua Direita. Um outro dado que merece destaque é o facto de, ao contrário do que em determinado momento, mesmo que pontual, pareceu ser um aproveitamento político dum direito claramente cívico, estes 'espaços públicos de intervenção' que têm surgido, seja a nível individual, de grupos de cidadãos ou de entidades públicas ou associativas, têm-se mantido, de forma coerente e consistente, muito para além da esfera político-partidária. Assim vale a pena. Aliás, preocupações cívicas que foram expressas pelo jornalista Rui Cunha na edição do Diário de Aveiro do dia 5 de fevereiro (“Há quem queira os carros de volta à Rua Direita”), embora o título não traduza totalmente o que é referenciado na notícia (não estou a dizer que seja falso, antes pelo contrário).
Mas vamos aos factos. Parece ser um dado adquirido quais são os factores que levaram ao estado da Rua Direita: o abandono dos moradores; a transferência de serviços públicos para outros locais; a perda de atractividade da Praça Marquês de Pombal e da Praça da República, em detrimento de outras zonas (Rossio, Praça Melo Freitas e Cais da Fonte Nova, por exemplo); o declínio comercial (algo que e transversal a muitas zonas da cidade e do país: a cidade do Porto perdeu centenas de estabelecimentos comerciais no centro, em 2012). E este último aspecto não tem a ver com questões de paragem no tempo por parte dos comerciantes, de falta de adaptação e de mudança dos comerciantes, não tem a ver com a existência ou não de “lojas âncora”, seja lá o que isso signifique (e é bom que se lembre o tipo de lojas a Rua Direita teve e que não eram, propriamente, acessíveis a todas as ‘bolsas’). A conjuntura económica, a perda de poder de compra e a escassez de consumo são factores, infelizmente, globais e que assolam todo o sector do comércio, em qualquer zona, mesmo nas grandes superfícies (basta ver o número de lojas que encerram nesses espaços). Mas há outro dado que importa desmistificar. Não foi a pedonalização da Rua Direita que provocou o seu declínio. E muito menos será a reabertura ao trânsito que trará algum retorno, antes pelo contrário. Não há qualquer relação entre circulação automóvel e recuperação de espaço urbano, incluindo a vertente económica ou comercial. Por outro lado, este evidente declínio da zona nobre da cidade traz outro problema bastante grave: a deterioração do espaço urbano, principalmente do edificado. A falta de hábitos quotidianos de urbanidade, principalmente de espaços comerciais e habitacionais, faz com que comecem a ser evidentes as degradações dos prédios, dificultando, dia após dia, a sua reabilitação e recuperação.
Deste modo, parece ser claro que o problema da Rua Direita é, acima de tudo, um problema económico (a perda da sua identidade comercial) e um problema vivencial (o abandono dos moradores e ausência de serviços que tragam movimento à zona). Se o primeiro aspecto afigura-se de resolução extremamente difícil (falta de investimento para a reabilitação do edificado e para a sustentação da vertente comercial, face à conjuntura que vivemos e que iremos viver durante muitos anos) já o segundo aspecto poderá ter solução e poderá passar por aí a reabilitação da Rua Direita como centro urbano por excelência.
Primeiro, o regresso de alguns (ou todos) serviços públicos que tragam movimento, que devolvam a “agitação” do quotidiano, a começar pelos próprios serviços camarários.
Embora a solução apresentada pelo Luís Souto (exemplo de Milão) não seja de fácil execução, por questões financeiras e técnicas (estado e tipologia do edificado), levanta, no entanto, uma abordagem muito importante: a reabilitação urbana, zona de conforto e de qualidade de espaço público (ninguém se sente atraído por zonas degradadas, sem iluminação e segurança). Há, por isso, uma necessidade de intervenção no espaço público.
Para além disso, o José Carlos Mota dá igualmente outro mote importante para que as pessoas regressem à Rua Direita: a redefinição da identidade daquela zona (terceira via). Não apenas através de iniciativas esporádicas (mesmo que com alguma regularidade), como as feiras mensais (embora importantes), mas aproveitar o surgimento de “vivências” culturais (movimentos, espaços, galerias) a par com a existência do Teatro Aveirense que precisa também de se abrir “à rua”. E este aproveitamento deverá ser feito em conjunto, ou interligado, com o comércio e os comerciantes, por exemplo, com novos e diferentes horários de abertura dos espaços comerciais (a título meramente exemplificativo: apenas à tarde e à noite) relacionando a actividade comercial com a cultural. Sou relutante à “importação” de modelos de outros países e cidades, mesmo que bons exemplos e boas práticas, porque as realidades sociais, económicas, políticas e culturais são distintas. Mas este repensar da identidade da Rua Direita, dando-lhe uma nova realidade, mantendo a vertente do comércio, parece-me ser uma interessante aposta, ou, pelo menos, um interessante ponto de partida para a necessária discussão sobre a reabilitação da centralidade urbana de Aveiro. A cidadania e os aveirenses saberão dar uma resposta com a nossa própria identidade. Além disso, há ainda a considerar importantes aspectos patrimoniais que estão enraizados naquela zona e que importa fazer sobressair e envolver na reabilitação do espaço urbano: Misericórdia, Paços do Concelho, Governo Civil, Carmelitas, Museu, Teatro Aveirense, Escola Secundária Homem Cristo, entre outros.
A Rua Direita não precisa de “pólos de atractividade”. Precisa de quotidiano, de dia-a-dia, de ser ponto de chegada e de partida (e não um espaço de passagem). Precisa de vida, de pessoas… de voltar a ser para as pessoas.