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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

E brincar?

Publicado na edição de hoje, 28 de abril, do Diário de Aveiro.

Entre a Proa e a Ré

E brincar?

Tem sido recorrente o debate em Aveiro (mesmo que inconsequente) sobre questões relacionadas com urbanismo (ou urbanidades), espaço público, regeneração urbana e dos centros, e mais recentemente sobre mobilidade ou paisagismo e botânica (dendrologia) principalmente quando se discutiu a queda ou abate de várias árvores no concelho. Sobre urbanismo, espaço público, regeneração urbana e do centro da cidade, há matéria em debate que transborda: pontes pedonais, parque da sustentabilidade, arranjo do Alboi, a Rua Direita, o projecto para a Avenida, a revitalização das praças como a do Marquês de Pombal ou a de Melo Freitas, entre outros. Em relação à mobilidade temos as discussões em torno de planos e políticas, dos vários modos de deslocação (automóvel, transporte público, ciclável ou pedonal), a regulação do trânsito e o seu excesso no centro urbano, a ligação da avenida das Agras, os pórticos na A25 e A17 que circundam e isolam a cidade, e mais recentemente toda a polémica relacionada com a regulação e oferta de estacionamento. No que diz respeito à vertente paisagística, depois da rearborização da Avenida e após a tempestade de janeiro último, foram diversas as abordagens públicas sobre as quedas das árvores, a sua substituição, a necessidade ou não de abates, o estado arbóreo do Parque da Cidade, a replantação ou a criação e espaços verdes. Não nos podemos queixar de não termos o que e com quem discutir uma parte significativa da vida da cidade e do concelho. No entanto, salvo uma ou outra rara excepção, tem faltado em Aveiro o debate, e já agora a preocupação, sobre outra realidade social e urbana (de urbanidade): parques infantis. Só assim de relance, sem precisar de recorrer a um grande esforço de memória, perderam-se os do Alboi, Museu Sta. Joana (ou de Aveiro), Parque Infante D. Pedro (onde, para além do parque infantil, poderíamos juntar o circuito de manutenção) e mais recentemente na urbanização da Forca, a título de exemplo.

São inúmeras as questões que se levantam ao nível da qualidade de vida, da saúde e da sociabilização no que se refere às crianças e aos adolescentes: obesidade, destreza, agilidade, isolamento social, aprendizagem, sociabilidade. Ao contrário do que possa parecer, pelo facto das famílias e dos cidadãos terem hoje uma vida demasiadamente agitada e confinada a rotinas, a sociedade é menos urbana, no sentido em que, dispondo de melhores e mais meios, não usufrui dos mesmos, concretamente os espaços de lazer. Mas a própria cidade ao alterar o paradigma das suas urbanidades (espaços públicos, vizinhança, sentido de bairro, a rua, o trânsito) deixou de criar condições para que as crianças usufruam da rua, de actividade física, de autonomia, da descoberta lúdica do jogo, da agilidade, da imaginação. Não basta uns metros quadrados de relva. Não basta para o desenvolvimento mais completo da criança o simples prazer de correr.

Não podemos criticar o aumento da violência entre pares, da problemática crescente do bullying escolar, da indiferença, do isolamento social, da falta de solidariedade, e depois obrigarmos as crianças e os adolescentes a crescerem entre as quatro paredes dos seus quartos, dentro de uma playstation, de um portátil ou de um tablet. E isto não é apenas uma responsabilidade parental ou familiar. É, também, uma questão social, da responsabilidade da sociedade e das cidades: devolver as crianças à rua e aos jardins. E quem diz os parques infantis diz mais. Aprendi, felizmente, a andar de bicicleta, sozinho, na rua onde cresci e no Parque Infante D. Pedro (até proibirem, criminosamente, o acesso de bicicletas àquele espaço). Hoje, face ao trânsito, à insegurança e à ausência de espaço, as crianças têm dificuldade em aprender a andar de bicicleta e a dar-lhe o devido valor (quantos não se recordarão da sua “primeira” bicicleta e do que significou recebê-la como prenda).

Infelizmente, Aveiro cresceu em betão e foi perdendo o sentido da urbanidade e do desenvolvimento social.