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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Insensibilidade Social

Publicado na edição de hoje, 30 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Insensibilidade Social

A realidade social do país é só uma, espelhada num excessivo número de desempregados (efectivos), nas dificuldades das famílias e dos cidadãos em cumprirem com as suas obrigações e com a sua “sobrevivência mensal”, no número de empresas que fecham e que não conseguem suprir as exigências do mercado. Este é, de forma extremamente linear mas real, o retrato social que vivemos hoje. Por isso, deverá ser esta a maior preocupação da gestão governativa, mais que as questões económicas e financeiras, mesmo que directamente relacionadas. Sem uma estabilidade social, sem uma resposta cabal às desigualdades e ao esforço que os cidadãos e famílias têm realizado, Portugal terá sempre muita dificuldade em superar esta crise e retomar o caminho do desenvolvimento, por mais resgates, por mais ajudas externas, por mais austeridade ou idas aos “mercados financeiros” que se proporcionem.

São vários os sectores da sociedade portuguesa que pressentem e vivem esta realidade e preocupação social, no dia-a-dia: as instituições de solidariedade social (independentemente do seu cariz religioso ou laico); parte do tecido empresarial e comercial; o poder local, através das Freguesias e dos Municípios. A propósito, relembro as intervenções de tomada de posse na Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Glória e Vera Cruz, do Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Eng. Ribau Esteves ou do Presidente da Assembleia Municipal de Aveiro, Dr. Nogueira Leite. Nestas intervenções foram sublinhadas as preocupações com a realidade social que Aveiro enfrenta, aos vários níveis. A Freguesia com o propósito de dar continuidade ao trabalho de acção social que foi sendo desenvolvido, nomeadamente, na Glória, na resposta às inúmeras solicitações dos cidadãos e famílias. A Autarquia com a preocupação referenciada num dos cinco pilares de intervenção na gestão do Município, “reforma da Intervenção na Educação e na Ação Social, com ações de parceria”. A Assembleia Municipal através do seu papel fiscalizador e crítico, tendo “presente as enormes dificuldades que o país atravessa nos tempos actuais”. Até o (ainda) presidente da Associação Nacional de Municípios, Fernando Ruas, defendeu, em entrevista à comunicação social, que as autarquias deverão olhar com maior preocupação esta realidade social e reverem/reajustarem as suas políticas de gestão: antes de construírem uma nova estrada ou um novo passeio, deverão olhar para a sua acção social.

Apenas, infelizmente, o Governo parece ser o único a não ter esta percepção, esta preocupação e este entendimento. Sem entrar em muitos pormenores de análise ao Orçamento do Estado para 2014, a verdade é que grande parte das medidas/políticas propostas estão longe de uma estratégia de consolidação e sustentabilidade social: cortes nas reformas e a polémica com as pensões de sobrevivência (contributivas e, portanto, diferenciadas de subsídios sociais); cortes salariais na função pública; agravamento das contribuições (com redução dos patamares mínimos) e diminuição das deduções fiscais; entre outros. Por outro lado, condenável e incompreensivelmente, regista-se o aumento dos encargos com o funcionamento da estrutura do Governo (ministérios, gabinetes e assessorias), com as Parcerias Público-Privadas (cerca de 60% de aumento dos encargos), e o diminuto esforço do sector mais (poderoso) rico da sociedade portuguesa: a banca, energia, combustíveis e as comunicações. Comparativamente, 82% dos cortes pertencerão ao rendimento do trabalho e 4% aos sectores referidos.

Infelizmente para o Governo, questões como a equidade, a justiça social, o valor do trabalho ou das contribuições despendidas ao longo da vida, uma classe média “rica” com 2000 euros mensais, são questões de pormenor que a condição de país resgatado urge superar. Mais importante e urgente é legislar sobre o número de gatos e cães permitidos por metro quadrado de apartamento ou casa.

Indo e rindo… os que ainda puderem, claro.