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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A democracia em autodestruição... ou, pelo menos, para lá caminha

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Depois de várias considerações, avaliações, pressões públicas e jurídico-constitucionais, a manifestação "Contra a islamização da Europa", de acordo com o DN, vai realizar-se no Largo Camões, após o Tribunal Administrativo de Lisboa ter validado a decisão da Câmara Municipal de Lisboa de proibir a realização da manifestação no Martim Moniz.

A decisão judicial teve, por base, apenas - e reforço o "apenas" - questões relacionadas com segurança e risco acentuado de contextos de violência que poderiam ser gerados na zona da Mouraria (Martim Moniz).
Mas a questão da realização da manifestação não está apenas confinada a questões de natureza logística, geográfica ou de segurança (mesmo com a relevância que este aspeto possa ter).

O que está em causa, do ponto de vista da democracia e dos seus valores e princípios, é a sua realização, seja lá onde for (até pode ser em Marte). É isto que está em causa, tal como referi AQUI.
É a permissão para que, uma ação coletiva, sob o chapéu jurídico-constitucional do direito à liberdade de expressão realize um condenável e inqualificável ataque à Democracia e aos fundamentais direitos humanos, como o legítimo direito de qualquer pessoa escolher a sua nacionalidade e onde viver (reforçado pela condição de refugiado ou deslocado, para fugir à morte e garantir o seu direito à vida e à sobrevivência).

Importa voltar a recordar: democracia não é sinónimo de anarquia, não vale tudo a qualquer preço ou sob qualquer fundamento. Os direitos não são absolutos em si mesmos, têm limitações, condicionalismo quando em conflito entre si.
E mal vai a nossa democracia quando, no confronto entre diferentes direitos, permite e promove ações que fragilizam, atacam e destroem os seu valores, os seus princípios e os seus alicerces.

E não colhe o argumento da inconstitucionalidade de proibição do exercício de manifestação.
Primeiro, porque ela não representa a proibição da liberdade de expressão, de opinião ou de pensamento individual, de cada cidadão.
Segundo, porque a nossa Constituição, os Direitos Fundamentais e o Estado de Direito impõem regras, normas e leis que regulam e limitam as dinâmicas da própria democracia.
Por exemplo, neste caso concreto, é o próprio quadro jurídico-constitucional português que contraria a permissão da realização da manifestação.
A Lei Orgânica 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos - liberdade de associação e de opinião/pensamento/expressão), com as devidas alterações, determina, no seu artigo 8.º (Salvaguarda da ordem constitucional democrática) que "Não são consentidos partidos políticos armados nem de tipo militar, militarizados ou paramilitares, nem partidos racistas ou que perfilhem a ideologia fascista". Da mesma forma que, com os mesmos princípios, se afigura como perfeitamente constitucional a proibição da manifestação em causa, pelos objetivos que norteiam a sua promoção/realização.
Ou ainda... o mesmo paradoxo da defesa da liberdade e da democracia que esbarra com a decisão da CNE, da ERC e da Justiça em limitar e proibir a campanha eleitoral para as legislativas, com o argumento surrealista do "dia de reflexão" nos Açores, a propósito das eleições regionais de amanhã. Aliás o chamado "dia de reflexão", este sim, é verdadeiramente uma limitação ao legítimo direito de expressão, o espelho de uma democracia que não é sólida, transparente e consolidada.

Lá esta... como diz, e bem, a nossa sabedoria popular (a mais realista e sustentada): à vontade não é à vontadinha.
Em democracia só há um princípio absoluto: a sua defesa e integridade.
Mais uma vez, vai mal, muito mal, pessimamente, a nossa justiça e o garante do nosso Estado de Direito.