A bem da verdade: repor não é aumentar
(crédito da foto: Diogo Ventura, Observador)
Entre 2010 (PEC II) e maio de 2014 (fim da Troika) o país viu-se obrigado a um conjunto de medidas excecionais (muitas vezes para além da excecionalidade necessária) que garantissem a recuperação das contas públicas e do excessivo défice e endividamento do país. Repito, medidas excecionais.
Entre outras, a Lei 12-A/2010, de 30 de junho, nos seus artigos 11.º e 12.º, determinava que o vencimento mensal dos titulares de cargos políticos e dos gestores públicos seria reduzido, a título excecional, em 5%.
Após se ter percorrido ainda o caminho dos PEC (III e IV) e todo o quadriénio da Troika, do país ter reposto os cortes salariais, subsídios e pensões, ter aplicado reformas na estrutura dos organismos da administração central, ter implementado o processo de descentralização, ter devolvido ao sistema benefícios e deduções fiscais em sede de IRS e de IRC, volvidos 14 anos, muito pouco restava das restrições e do aperto de cinto do período da Troika. A não ser, injustificadamente, os detentores de cargos políticos (desde o Presidente da República ao presidente da Junta de Freguesia) e os gestores públicos que mantêm, até 31 de dezembro de 2024, o corte salarial, a título de exceção, de 5%.
É esta medida que integra o Orçamento do Estado para 2025, recentemente aprovado, que coloca o ponto final a uma restrição injusta e sem sentido.
O que tornou esta legítima justiça equitativa em algo tão mediático foi, tão somente, a mentira (porque enganar é mentir), o populismo e a ignóbil demagogia, culminada com o absurdo (para não dizer, imbecilidade) das tarjas à janela da Assembleia da República, com a tentativa de passar uma narrativa farsante de que os políticos tinham sido aumentados. Sejamos claros… Não foram. O que está em causa é uma reposição de um corte salarial, como tantas revogações e reposições que aconteceram desde 2015, que durou mais de 14 anos, e não um aumento salarial.
Bastou mais uma tentativa de ludibriar a realidade pelos (in)suspeitos do costume, o aproveitamento político de um país que, a custo, vai sobrevivendo com 820 euros de salário mínimo ou cerca de 1.500 euros de salário médio, para ter sido lançada a indignação sobre o salário dos políticos e a sua credibilidade. Ou seja, o pior do populismo e do radicalismo, vindo de quem tem frágeis telhados de vidro, de quem se inibe de se olhar ao espelho com vergonha da própria realidade, de quem se diz contra o sistema alimentando-se dele, de quem apenas se preocupa com a sobrevivência política e não, verdadeiramente, com os portugueses e o país, ou, ainda, para quem a democracia estorva, incomoda e inquieta.
Um deputado, por exemplo, aufere um salário base (bruto) de cerca de 3800 euros, inferior ao da média dos gestores do setor privado. Poderia estar em discussão se este valor é ou não elevado, se tem em conta o grau de responsabilidade e de escrutínio público, ou, ainda, as limitações profissionais que se colocam durante e após o exercício das funções. Mas nem é o caso, nem o que está em causa.
É a justiça e o sentido de equidade que é reposto com a revogação do corte de 2010.
O desempenho de um cargo político ou público deve ser uma função nobre e republicana, e é uma opção pessoal e individual. Mas é absurdo esperar que isso aconteça à custa do mero sacrifício miserabilista ou do simples abraçar, graciosamente, da causa do serviço público.
Um Estado de Direito e uma democracia estável e sólida só se compadecem e sobrevivem com instituições fortes, consistentes e respeitadas, com funções desempenhadas com dignidade e respeitabilidade.
É, também, nestes princípios que assenta o nosso Estado e o sistema de governação e se estrutura a nossa sociedade, sob pena de menosprezados, desvalorizados e achincalhados (como alguns teimam, insistentemente, em materializar) fazerem ruir as liberdades, os direitos e a democracia que tanto e a tantos (desde os Capitães de Abril a Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do Amaral, nos quais milhares, mais ou menos anónimos, se personificam) custou a erguer.
(também no podcast "Politicamente Insurreto", disponível na rádio Terra Nova e no Spotify)