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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A coerência política é a (dis)solução

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Publicado na edição de hoje, 5 de fevereiro, do Diário de Aveiro (página 9)

A questão da judicialização da política ou, até mesmo, da justiça politizada, já aqui foi partilhada, no dia 11 de dezembro último, com a certeza da temática não se ter esgotado aí.
No entanto, subtraindo a realidade judicial, a verdade é que a crise na Região Autónoma da Madeira é, manifestamente, política. E, tal como se perspetivou com a crise nos Açores, tem impactos que ultrapassam, e muito, o contexto geográfico regional, e, na sua essência, por inquestionável comparação com o contexto da crise política no continente e, também, na Região Autónoma dos Açores, e pelo reflexo que terá na campanha eleitoral legislativa nacional.

Se o prolongamento temporal da governação cria, por norma, um desgaste político inevitável para quem detém o poder, o que dizer de uma democracia gerida durante cerca de 42 ou 43 anos sob a mesma bandeira partidária. O que se estranha é que esta fragilização da democracia só agora tenha visto a luz.

O primeiro espanto (se é que Marcelo rebelo de Sousa ainda nos possa espantar) é a total falta de coerência política e institucional do Presidente da República confrontado com a crise gerada pela demissão de António Costa e esta crise, na Madeira. Sendo inevitável a comparação, as diferenças mais significativas são, no caso de Miguel Albuquerque e da Madeira, a ausência de um parágrafo da Procuradora-geral da República e o facto do demissionário Presidente do Governo Regional ter sido constituído arguido (salvaguardando o inabalável princípio da presunção de inocência) enquanto António Costa penas alvo de processo de investigação.

De tudo o resto, é criticável “os dois pesos e duas medidas” que Marcelo Rebelo de Sousa teve perante a crise política nacional a regional. Nem mesmo a argumentação do “período de carência” de 6 meses que a legislação impõe para a dissolução da Assembleia Regional da Madeira é razão suficientemente impeditiva. Estavam, e estão, reunidos todos os pressupostos para que o Presidente da República agisse de igual forma que agiu a 7 de novembro de 2023, como anunciou a 9 de novembro (apenas e tão somente dois dias após a aceitação do pedido de demissão de António Costa) e concretizou e decretou no dia 15 de janeiro. Pelo meio, esteve sempre em cima da mesa, no tabuleiro do jogo político, a aprovação (ou não) do Orçamento do Estado para 2024, cuja gestão governativa será uma verdadeira incógnita.

Mais grave… se Marcelo Rebelo de Sousa, ouvido o Conselho de Estado, optar pela não dissolução e não convocação de eleições regionais na Madeira, então, novembro de 2023 ficará marcado, para sempre, na história da política nacional, como um verdadeiro ataque à democracia e um óbvio golpe de Estado palaciano.

Mas se a posição do Presidente da República e a opção leviana como tem tratado o caso (sem uma mensagem ou comunicação institucional, abordando o caso mo meio da rua/passeio, como a quem é solicitada informação de como encontrar a mercearia do bairro), não é menos condenável a jigajoga política com que o PSD tem gerido a crise na Madeira, antes pelo contrário.

Já há quase 9 anos, desde 2015, perante a instabilidade dos vários resultados eleitorais, sabemos que a Madeira deixou de ser um “Jardim”, mas a forma como o PSD (não) tem gerido esta crise não deixa de ser um continuado bailinho madeirense, principalmente pela total incoerência política e ausência de ética democrática que são demonstradas, seja na relação direta como o processo, seja pela inevitável comparação com a crise no Continente e os argumentos partidários usados.
Há um facto que realça desde novembro último: o PSD não estava, nem está, minimamente preparado para enfrentar toda esta complexidade que a democracia portuguesa enfrenta. Num ano em que a estratégia do PSD se focava no processo eleitoral europeu, em junho, e na perspetiva de poder cavalgar um eventual resultado positivo para pressionar a agenda política  o governo do PS, de repente, Luís Montenegro vê cair nos seus braços umas eleições legislativas que não eram, de todo, expectáveis (por mais que queiram fazer crer do contrário), uma crise política nos Açores, fruto da incapacidade governativa do PSD, e a crise na Madeira que também assenta, para além da questão judicial, na ética e na responsabilidade política e na frágil estabilidade legislativa (acordo parlamentar com o PAN Madeira), fruto dos resultados eleitorais de 2023.

E tudo isto tem um impacto bastante negativo na notória incapacidade do PSD (nacional e regionais) de se afirmar como alternativa governativa. Daí o notório receio, e a consequente necessidade do jogo político estratégico, de se submeter a uma terceira avaliação da vontade popular, espelhado neste constante vaivém de soluções e de adiamentos para a crise da governação da Região Autónoma da Madeira, que nem no seio do próprio PSD Madeira é consensual (basta recordarmos a posição favorável de Alberto João Jardim quanto à realização de eleições regionais).

Perspetivando-se uma desejável derrota do PSD nos Açores, acrescentando a vontade expressa (até ao momento) pelos portugueses na vitória do PS nas legislativas de 10 de março e, perante o contexto político e a degradação da imagem partidária, uma expectável derrota eleitoral na Madeira, deixaria o PSD e, principalmente, a liderança de Luís Montenegro num perfeito caco partidário (não, propriamente, num sempre apetecível “Bolo de Caco” madeirense).

Mas também é, diga-se, nestes momentos difíceis, complexos, exigentes e arriscados que se testemunha o valor da democracia e que se prova a consistência política e partidária dos grandes partidos e dos grandes líderes: a ausência de qualquer receio no normal funcionamento das instituições, da democracia e da vontade legítima e democrática do voto popular. E isso não se encontra na forma como o PSD gere esta crise governativa na Madeira (e as outras duas, já agora).

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