A culpa ardeu solteira (*)
ainda no rescaldo do ano trágico de 2017.
(fonte da imagem: Bom Dia Europa)
O apuramento penal de eventuais responsabilidades pelo trágico acontecimento dos "incêndios de Pedrógão Grande", em 2017 - as 64 mortes (47 das quais na fatídica EN 236-1) e cerca de 200 feridos - teve, ontem, a sua derradeira sessão, no Tribunal de Leiria, que culminou com a absolvição dos 11 arguidos neste processo judicial (a saber: o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, o presidente da Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, os ex presidente e vice-presidente do da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, a responsável pelo gabinete florestal da Autarquia de Pedrógão Grande, o ex autarca de Castanheira de Pêra, três quadros técnicos da Ascendi e dois responsáveis da E-Redes). Todos eles foram absolvidos dos crimes pelos quais estavam indiciados.
Tomando como certa e válida a decisão do coletivo de juízes do Tribunal de Leiria, que deu como provados fatores naturais (o denominado fenómeno downbursts ('rajadas baixas'): uma corrente de ar descendente, gerada por nuvens, que chega até ao chão, onde se espalha em todas as direções e provoca ventos fortes) como causas para a dimensão e propagação dos fogos daquela altura, não se coloca, desta forma, em dúvida a inocência e absolvição daquelas 11 pessoas e entidades (Ascendi e E-Redes).
Mas se para todos aqueles que ontem viram ser feita justiça, eventualmente perante a injustiça na sua indiciação como eventuais culpados (o acórdão determinou que "não ficou provado que os óbitos e ofensas à integridade física verificados tenham resultado, por ação ou omissão, da conduta de qualquer dos arguidos"), há a questão fundamental que fica por responder: quem faz justiça ou que justiça fica por fazer às vítimas e às suas famílias?
Lembremo-nos das veementes palavras do Presidente da República, em 2017 (um mês após os acontecimentos trágicos de Pedrógão), em pleno cenário de catástrofe: é urgente e precisa uma "resposta rápida e exaustiva às interrogações sobre factos e responsabilidades".
Apesar da absolvição e dos factos não comprovados, a resposta às interrogações é, no mínimo, insatisfatória e redutora na responsabilização da "mãe natureza" (tantas vezes madrasta, de facto, como mal-tratada). Até porque, à saída da sessão do julgamento, foram aventadas várias questões que ficaram sem resposta: o sistema de proteção e socorro foi ativado e funcionou? a cadeia de comando, o serviço operacional, os meios, o sistema de comunicações, a capacidade de noção da dimensão... tudo isto foi eficaz e foi devidamente implementado? houve ou não a ausência de outras pessoas e/ou entidades no banco dos réus e no processo de instrução e de acusação?
A justiça produzida ontem tem um sabor amargo e um sentimento de insatisfação. Não pelas absolvições em causa, mas, claramente, tal como afirmou Pedro Candeias (editor de sociedade do jornal Expresso), no "expresso curto de ontem" , pelo facto de "na EN236-1, a culpa ardeu solteira" (* - daí o título "plagiado").
Como (quase) sempre em Portugal.