A decepção açoriana
publicado na edição de hoje, 19 de outubro, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
A decepção açoriana
É um exercício seguramente difícil transpor resultados eleitorais regionais para o âmbito nacional. Mas os resultados das eleições regionais nos Açores, realizadas no passado domingo, merecem algumas notas por espelharem algumas curiosidades. Pela primeira vez numas eleições (pelo menos que tenha memória), apesar de haver um partido mais votado, todas as forças políticas perderam. Mais ainda, perderam os partidos e perdeu a democracia. E esta é uma leitura que tem cabimento no panorama nacional quando se aproxima novo processo eleitoral com as eleições autárquicas de 2017 (que já mexem)
O Partido Socialista, renovando a sua maioria governativa, não pode deixar de reflectir sobre o seu resultado e sobre o impacto da sua governação. É certo que foi o partido mais votado e que conquistou, de novo, a maioria absoluta, como 46,43% dos votos expressos. Mas importa referir o impacto do valor da abstenção (59,16%), a perda de um deputado regional e cerca de 9,5 mil votos (menos 2,5% em relação às eleições de 2012), acentuando a queda que se vem registando desde as eleições de 2004 (56,09% dos votos com uma abstenção na ordem dos 47%). Não há por isso grandes razões em fortes festejos, a não ser a manutenção da governação do arquipélago. O Partido Social Democrata, afastado do poder desde 1996 quando o socialista Carlos César derrotou o social-democrata Mota Amaral, teve um dos piores resultados eleitorais de sempre, com apenas 30,89% dos votos, perdendo também um deputado e cerca de 6,7 mil votos. Apesar do resultado a queda, cerca de 2% foi menor que a registado pelo PS. As constantes alterações na liderança dos social-democratas açorianos tem tido consequências negativas eleitorais como afirmação de alternativa governativa no arquipélago.
A terceira força política nestas eleições regionais é o CDS. Foi o partido com a maior expressão de subida eleitoral, cerca de 1,5%, obteve 7,16% dos votos e conquistou mais um deputado que em 2012. Mas apesar da notória afirmação política de Assunção Cristas durante a campanha eleitoral, transformando este resultado positivo mais numa vitória de imagem política pessoal do que numa vitória do partido, o resultado do CDS ficou abaixo do melhor resultado eleitoral dos centristas, alcançado em 2008 com 8,7% dos votos e cinco deputados.
O sorriso de Catarina Martins com a conquista de mais um deputado (2), tantos como em 2008, mas com a referência dos bloquistas à maior percentagem de votos de sempre 3,66%, é um sorriso amarelo a disfarçar o fracasso político destas eleições para o BE. Reconquistou o número de deputados alcançado em 2008, dois deputados, mas obteve mais 1,4% dos votos que em 2012 mas apenas uns míseros 0,30% a mais em relação a 2008. Não é por isso um feito tão histórico, até porque é necessário ter em conta o valor elevadíssimo da abstenção. Mas ainda, importa recordar que a campanha eleitoral do BE centrou-se, essencialmente, na afirmação com alternativa, como parceiro governativo e no objectivo de retirar a maioria absoluta ao PS. Feitas as contas, tudo falhou, ficando a 3,5% dos votos do CDS.
Quanto ao PCP estagnou desde 2012 (apenas mais 0,7% dos votos e manteve um deputado eleito) e longe dos valores de 2008.
Mas a nota principal destas eleições regionais açorianas e que merecem uma especial e particular atenção foi o resultado da abstenção. Foi o resultado mais histórico, o valor mais elevado de sempre: 59,16% (quase 60%) dos eleitores açorianos não “saíram” de casa. Aliás este valor da abstenção, excluindo o ano de 1988, tem vindo sempre a subir desde que em 1996 (40,8%) o PS derrotou o PSD e assegurou a governação nos Açores.
Por isso, este valor excessivamente relevante do número de cidadãos açorianos que opta por não votar tem duas leituras e duas leituras com projecção nacional. Por um lado, o impacto (negativo) das governações na vida dos cidadãos desmobilizando-os para o exercício do seu direito e dever de cidadania. Por outro, a imagem que a política, os partidos e os políticos, transmitem para a sociedade fazendo crescer o descrédito e afastando os cidadãos da participação na democracia e no futuro das suas comunidades, regiões e país.
É importante que os partidos e os seus líderes guardem os foguetes (se for o caso) e analisem bem o que foram estas eleições regionais nos Açores, quando está muito perto mais um exercício eleitoral.