A democracia é responsabilidade de todos
Publicado na edição de hoje, 15 de janeiro, do Diário de Aveiro (página 10)
1. Quando o jornalismo enfrenta um contexto grave de crise, é a própria democracia que entra em crise.
Sejamos claros: sem jornalistas não há jornalismo… sem jornalismo não há democracia. Esta é uma inquestionável realidade.
E não se pense que os impactos de um jornalismo em crise apenas se compaginam com o encerramento de órgãos de comunicação social (que, infelizmente, ao longo da história da imprensa portuguesa sempre aconteceu) ou com o problema social dos despedimentos com consequências para os seus profissionais e famílias (o que, aliás, é o problema de qualquer contexto laboral em crise). Por si só estas duas realidades seriam, obviamente, preocupantes e graves. Mas há muito mais… são preocupantes os eventuais “estilhaços” que esta grave crise no grupo Global Media possa provocar no setor, noutros títulos e noutros profissionais. E são, igualmente, preocupantes os reflexos desta crise nos valores da democracia.
E este é, e tem que ser, um problema de todos nós, sejamos profissionais do setor (ou a ele ligado), sejamos órgãos de poder titulares da democracia, sejamos empresas e, fundamentalmente, sejamos cidadãos.
Somos, por norma, muito rápidos a premir o gatilho da crítica (a maior parte das vezes infundada e maliciosa) contra os jornalistas. Infelizmente, somos, maioritariamente, indiferentes aos problemas que os jornalistas e o jornalismo enfrentam há alguns anos.
Imaginemos o que seria para a democracia, para a vivência do nosso dia a dia, para o necessário e importante escrutínio da sociedade, da política, dos políticos, das instituições e do Estado se jornais, rádios e televisões se calassem por um mês que fosse. Imaginemos o que seria o Poder Local, as empresas, o tecido associativo e cultural da nossa Região, se o Diário de Aveiro ou a Terra Nova parassem a sua rotativa ou a sua antena. Por um lado, seria o silêncio e a escuridão. Seria calar as vozes da sociedade e da democracia. Por outro lado, seria o caos. Seria o disseminar e explodir da informação sem rigor, sem escrutínio, sem veracidade, do que pior têm as redes sociais e a internet. Como se alguma vez fosse possível a verdade e a transparência, a própria realidade, surgir do caos.
Transpomos tudo isto para um patamar nacional, para a exigente missão do jornalismo e o seu papel na sociedade e na democracia, e a dimensão da fragilidade e da desordem democrática teria um impacto maior.
Por isso, o que o infeliz e preocupante contexto que os profissionais do grupo Global Media vivem há algumas meses é, e deve ser sempre, preocupação e responsabilidade de todos nós. Por eles, pelos outros e pela democracia.
2. A democracia não é um contexto tão abstrato quanto muitos querem fazer crer ou promover. É uma realidade bem concreta, da qual todos dependemos para as nossas vivências do dia a dia, para que o Estado possa cumprir as suas responsabilidades políticas e sociais.
Recuemos cerca de 4 anos. Pode parecer muito tempo, mas não é. Em fevereiro de 2020, o mundo, incluindo, obviamente, Portugal, assistia, com enorme surpresa, ao surgimento de uma crise pandémica de larga e enorme dimensão para a qual ninguém estava minimamente preparado. Ultrapassada a fase mais premente da pandemia, muitos perspetivavam mudanças positivas na sociedade, nas pessoas, nas instituições e nas comunidades. Não me parece que essa conjuntura se verifique.
Volvido o período da solidariedade, da ajuda e preocupação com o outro, com o nosso vizinho, com as nossas comunidades, a perceção que se tem, hoje, é que as pessoas se tornaram mais fechadas, mais individualistas, mais indiferentes, mais radicais, mais conflituosas, menos inclusivas, mais críticas no acolhimento aos outros, à diferença e às minorias.
Quando se esperava que as cidades ou as comunidades repensassem os seus espaços, as suas conceções urbanísticas e sociais, tudo voltou ao que assistíamos no período pré-pandémico.
O peso da crise económica e social manteve o seu impacto na sociedade e na vida das pessoas, acrescido dos impactos que os conflitos internacionais têm provocado.
A pressão não se circunscreve apenas às pessoas, ela tem exigido à democracia um acrescido esforço de defesa e valorização dos seus valores e princípios (liberdade, igualdade, fraternidade e verdade), infelizmente, nem sempre conseguido face ao crescimento do extremismo, do radicalismo e do populismo.
E os próximos tempos vão refletir essa exigência e pressão na democracia, quer a nível internacional, mas, principalmente, a nível nacional.
Vão ser tempos em que a democracia vai ser permanentemente colocada à prova e colocada em causa.
Vão ser tempos em que a urbanidade, a ética e dignidade política vão sofrer significativos ataques.
Depende de cada uma de nós defender e valorizar a democracia. Não é só aos políticos e aos partidos. Já é tempo de deixarmos de atirar as responsabilidade sempre para os mesmos e assumirmos o nosso papel e responsabilidade enquanto cidadãos, enquanto eleitores, enquanto fiel depositários de uma dos maiores valores da democracia: a “arma“ do voto livre, consciente e responsável.
Relembro parte da partilha da semana passada: “É fácil, e, porventura, legítimo, afirmar-se que não é a “democracia” que paga a conta do supermercado, a prestação ao banco ou a renda da casa, a despesa na farmácia, a conta da luz, da água ou do gás. Mas é. É numa democracia sólida, consistente, fortificada que a economia se pode desenvolver, que os rendimentos das famílias podem crescer, que o emprego pode prevalecer, que o Estado Social pode cumprir o seu papel e a sua função. E esta realidade, não sendo uma factualidade material, é o suporte para que a qualidade de vida e a subsistência quotidiana tenha mais eficácia e mais presença na “carteira” de cada um de nós.
A democracia é responsabilidade coletiva. Cabe a todos nós elevá-la, preservá-la e cuidar dela.