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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A "fuga para a frente" de Eduardo Cabrita

perante o timing e a conjuntura actuais, um 'mais vale tarde que nunca' não colhe como justi

Abusando da famosa expressão do matemático, físico e filósofo da Idade Moderna, Blaise Pascal - "O coração tem razões, que a própria razão desconhece" - podemos dizer que, hoje, face à polémica que envolve o pedido de demissão por parte do ex-Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, "há razões que a própria razão desconhece".
Perante o timing e a actual conjuntura política/governativa, o argumento "mais vale tarde que nunca" não colhe como sustentação para a saída de Eduardo Cabrita do Ministério da Administração Interna. É, manifestamente, uma "fuga para a frente" de um governante que já habituou o País e os portugueses a uma capacidade inigualável para sacudir responsabilidades políticas, para as transferir para terceiros, e a um egocentrismo desesperante. Comportamentos que têm originado um conjunto relevante de polémicas e posturas que colocam em causa a sua função ministerial e a imagem do próprio Governo. A ânsia de disparar contra tudo e contra todos, perante críticas e situações delicadas/controversas, levou tantas vezes Eduardo Cabrita a não ter cuidado com actos e palavras. E estas, em política (porque é ao nível político que se contextualiza a situação) têm um enorme e colossal peso.

Quer a decisão, do Ministério Público, de deduzir acusação de homicídio por negligência ao motorista do (agora) ex-Ministro, quer a infeliz e criticável afirmação "eu sou apenas o passageiro", que Eduardo Cabrita proferiu quando questionado pelos jornalistas, foram a gota de água para o seu pedido de demissão (prontamente aceite por António Costa). Só que a afirmação do Ministro, na conferência de imprensa de anúncio da sua demissão, "não posso permitir que este aproveitamento político absolutamente intolerável seja utilizado no atual quadro para penalizar a ação do Governo, contra o senhor primeiro-ministro ou mesmo contra o Partido Socialista", tem, obviamente, uma leitura distinta do sentido que Eduardo Cabrita quis atribuir à sua frase.
Primeiro, quem exerce cargos públicos e políticos, ou, por maioria de razões, cargos governativos, está sempre sujeito a uma pressão e aproveitamento políticos, porque é essa a natureza e a essência da função pública exercida. Portanto, trata-se de um contexto que tem todos os óbvio e naturais contornos políticos.
Segundo, o "aproveitamento" (pressão) político não tem nada a ver com António Costa, o Governo ou o Partido Socialista. Tem mesmo a ver com a (in)capacidade política de Eduardo Cabrita para a função ministerial e de serviço público.

A infelicidade (ou, se calhar, de infeliz até nem tem nada) das declarações de hoje do ex-Ministro fazem eco de muitas outras expressões e comportamentos políticos que geraram uma irritação pública, diversas críticas e pressões. Desde 2017, quando Eduardo Cabrita substituiu Constança Urbano de Sousa à frente do Ministério da Administração Interna, que o recém ex-ministro se envolveu em variadas controvérsias que permitiram, por demasiadas vezes, colocar o ex-governante como um dos ministros com menor capacidade governativa e pior imagem pública: o longo "braço de ferro" com os Bombeiros, nomeadamente por causa da Reforma da Proteção Civil; o questionável processo de contratação pública com as golas antifumo que afinal eram inflamáveis, adquiridas pelo Governo no âmbito do programa Aldeia Segura/Pessoas Seguras; o polémico caso (a morte do cidadão ucraniano) do SEF e a sua extinção; a péssima gestão da situação dos trabalhadores imigrantes na zona de Odemira e os surtos pandémicos, com a "requisição" do complexo turístico Zmar; a tentativa de desresponsabilização política relacionada com os festejos, autorizados, do Sporting aquando da conquista do título de campeão nacional de futebol 2020-2021; a controvérsia com a Altice em relação à renovação do serviço do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP); a significativa contestação profissional das forças de segurança, nomeadamente dos sindicatos da PSP e das associações socioprofissionais da GNR, só ultrapassáveis com os tempos idos do "Secos e Molhados" da governação de Cavaco Silva, em 1989; ou, ainda, a inexplicável paralisação da frota de helicópteros KAMOV.

Então, o que 'ganham' Eduardo Cabrita, o Governo e o País com esta demissão? Rigorosamente... nada. Nem sequer (ou muito menos) a responsabilização política. Esta é uma 'não' demissão, já que o timing e os impactos da mesma são, praticamente, nulos, quando Marcelo Rebelo de Sousa se prepara para dissolver, formalmente, o Parlamento e quando estamos a pouco menos de 2 meses de um processo eleitoral - legislativas a 30 de janeiro de 2022 - precisamente para se eleger nova Assembleia da República, permitindo a formação de um novo Governo.

Tal é a insignificância política da demissão de Eduardo Cabrita que, face à conjuntura atual e ao tempo que medeia esta demissão do ex-ministro da Administração Interna e as próximas eleições legislativas, António Costa vai propor ao Presidente da República a substituição do cargo ministerial de Eduardo Cabrita por Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça - acumulando as duas pastas - também ela envolta em recente polémica (caso da nomeação do Procurador Europeu português) e indisponível para continuar as funções governativas após as eleições de 30 de janeiro de 2022 (se fosse convidada e o PS formasse Governo), tal como afirmou em entrevista, no mês passado, ao jornal Público.

Ou seja, a "montanha pariu um rato", politicamente. Ou será que, judicialmente, o processo possa lançar desenvolvimentos inesperados quanto a responsabilidades?

A ver vamos... entretanto, se para Eduardo Cabrita o seu envolvimento no caso do atropelamento mortal é a de um mero "passageiro no banco de trás" é, manifestamente, legítimo que o seu motorista afirme que, no seu caso, era um "mero funcionário com deveres hierárquicos".

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