A Identidade e a Família... e mais um regresso sebastiânico de Passos Coelho
(cartoon / imagem de Silvestre Gago)
Sobre o livro “Identidade e Família”, nomeadamente as intervenções públicas de responsáveis pelo Movimento Ação Ética (autor da publicação) durante e após o lançamento, reservo o texto a publicar na edição de amanhã do Diário de Aveiro. Principalmente nas considerações que são feitas em relação à “família natural” e ao papel da mulher. Ou, se quisermos, ao abominável ataque à família e ao papel e dignidade da mulher.
A democracia e o Estado de Direito permitem que cada um, com as suas convicções, crenças, valores, possa viver a sua vida conforme bem entende e dentro dos princípios que escolheu. A democracia e o Estado de Direito não permitem que alguém obrigue o outro, de forma totalitária, a seguir os mesmos valores ou princípios. As opções individuais não se condicionam, não se impõem como regra ou norma.
A liberdade individual não pode ser restringida pelo coletivo. Deve ser é promovida, defendida e garantidos os mais elementares direitos e igualdade de oportunidades.
Aqui chegados, importa regressar ao dia 8 de abril.
O que há de especial na apresentação de um livro, como tantos outros que foram e são apresentados por esse país fora e por tantas e tantas editoras? A temática e as abordagens, o que elas representam para a sociedade e para a democracia. Salvaguardando o legítimo direito e a liberdade de opinião e de expressão que se reserva aos promotores do livro, o mesmo espírito democrático preserva o direito à crítica. Principalmente, o direito à crítica sobre a personalidade escolhida para a apresentação do livro: Pedro Passos Coelho (who else).
A escolha e a presença, não é inocente e, muito menos, inócua.
Ao contrário do que muitos querem fazer crer, ou ao contrário do que muitos pretendem e tentam fazer crer, sempre que Passo Coelho surge no espaço mediático o país reage. Reage a direita saudosista, reage o PSD porque sabe que Passos Coelho é, desde 2015, muito mais tóxico do que detentor de um capital político elevado e desejável, e reage a esquerda porque representa o sentimento de uma grande maioria dos portugueses sobre o que foi o período de governação de Passos Coelho sob a capa da Troika.
Mas o que é mais criticável na presença do ex-Primeiro Ministro do XIX e XX Governos Constitucionais não passa pela assunção do que o livro e os seu autores defendem. Isso é uma questão pessoal para Passos Coelho resolver consigo mesmo.
O que está em causa é a definição de uma agenda e estratégica política, pessoal e não só, sustentada em pressupostos que preocupam a maioria dos portugueses.
Não foi por acaso que Passos Coelho voltou, tal como o tinha feito durante o período da campanha eleitoral, a focar a sua narrativa num acordo entre o PSD e o Chega. E porquê e para quê?
Primeiro, porque Passos Coelho não resolveu, pessoal e politicamente, o contexto de 2015 quando não conseguiu manter-se na governação do país. Mas não se pense que é só em relação à esquerda ou ao PS. Há também muita coisa mal resolvida entre Passos Coelho e o próprio PSD, principalmente na ala mais ao centro ou mais social-democrata/socialista do partido, por exemplo, na ala de Rui Rio. Há um ressabiamento permanente de Passos Coelho em relação à falta de sucesso da governação mínima da PaF. Não por acaso, só o Chega (em peso, claro) e o CDS marcaram presença no lançamento do livro "familiar".
Segundo, porque Passos Coelho sabe que para alcançar o seu propósito antigo e mais que óbvio de chegar à cadeira do Palácio de Belém precisa de assegurar uma faixa confortável de apoio à direita, porque nunca o conseguirá angariar do centro para a esquerda da política nacional.
Só que Passos Coelho terá sempre de enfrentar um considerável obstáculo: há mais a separar a direita moderada do salazarismo bafiento e do neofacismo da extrema-direita do que a uni-las. Daí o “sebastianismo” esporádico e a repetitiva retórica de uma aliança maioritária à direita. Os meios, são secundários. A família, o aborto, a igualdade de género, a homossexualidade, a eutanásia, são meros instrumentos ideológicos, meros discursos de propaganda que, de forma hipócrita, Passos Coelho usa, abusa e recorre para marcar a sua estratégia e agenda política.
Mas como não há 1,1 milhões de votos de protesto (nem tão pouco mais ou menos), o suporte ideológico e programático que Passos Coelho pretende estruturar e promover, para seu benefício político, para a sua putativa candidatura à Presidência da República, é que é perigoso e merece crítica e condenação permanente.