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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A legitimidade da derrota

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 18 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
A legitimidade da derrota

Do ponto de vista da legalidade constitucional é tão legítimo um governo que surja da coligação PSD-CDS (que ganhou as eleições legislativas, foi quem obteve o maior número de representação parlamentar) como um outro governo de “aliança parlamentar” entre PS, PCP e BE. Estes são os factos legais e legítimos: PSD-CDS ganharam e devem formar governo; não recebendo o aval da Assembleia da República e, impedido que está de dissolver o parlamento e marcar novas eleições, restará a Cavaco Silva convidar o PS a formar governo. Mas o que se passa, neste momento, em Portugal não é uma questão de legalidade ou de constitucionalidade. O que está em causa a legitimidade política. Ao fim de 40 anos da democracia (e 41 da liberdade) descobriu-se agora que as legislativas têm como objectivo a eleição da representatividade no parlamento e não a formação do governo… mesmo que os portugueses continuem a votar em função do candidato (ou partido que o representa) que se apresenta como primeiro-ministro, que votem em função do partido e não das listas de cada círculo eleitoral ou ainda que não tenha havido, até à data, qualquer coragem política por parte dos “arautos” da representatividade legislativa para alterar a lei eleitoral e permitir, por exemplo, os círculos uninominais. Mas interessa agora, 40 anos depois e face à conjuntura, a reversão da cultura política, democrática e eleitoral dos portugueses. É também verdade que a política portuguesa foi, nestes 40 anos, uma verdadeira brincadeira, um faz-de-conta infantil, porque em 2015 apaga-se toda a memória política, toda a legitimidade política que sustentou os vários governos minoritários (apesar da representatividade parlamentar, importa lembrar também): PS (o último no segundo mandato de José Sócrates), PSD-CDS, PS-PSD, PS-CDS, PS-“Queijo Limiano”. Nada disto existiu, foi puro conto de fadas. Mesmo que a tradição possa deixar de ser o que era, que o decurso da história mude a legitimidade política, há três coisas que não mudaram: primeiro, os princípios programáticos e ideológicos do BE e PCP, que só se aproximaram do PS, não para serem solução, mas apenas para, a todo o custo (como afirmou Jerónimo de Sousa), impedirem a legitimidade democrática de um governo PSD-CDS, como se BE e PCP alterassem os seus ADN’s políticos, os acontecimentos de 2011 e a recente campanha eleitoral; segundo, a ilegítima apropriação da democracia por parte da esquerda mais extremista, como se fossem eles os tutelares dos valores democrático; e terceiro, a ilegítima (e imoral) apropriação do valor e do sentido de cada voto dos portugueses. E é aqui que reside a maior responsabilidade do PS. O desrespeito por quem votou PS com a esperança da vitória eleitoral e como potencial governo, e não para combater a legitimidade democrática de quem ganhou ou com jogos de bastidores para, a todo o custo, ser poder (como se ao BE e ao PCP interessasse o sentido de Estado mais do que a defesa ideológica e interesse partidário). Mais ainda… o desrespeito pelo valor social-democrata, no sentido lato do termo, que está no ADN socialista e que esteve no sentido de voto no PS de muitos sociais-democratas, descontentes com o recente percurso político-partidário do actual PSD. Tal como muitos socialistas, também muitos portugueses se sentem defraudados. Como disse a socialista Ana Gomes na noite eleitoral, “chocados” porque este PS está a ficar “muito pouquinho” socialista. O maior respeito pelo ADN socialista, pelos seus votos e pela dignidade da derrota, era o verdadeiro sentido de Estado, assumir veementemente a sua condição de liderança da oposição, e posicionar-se em função da defesa dos seus princípios programáticos e valores. Mesmo que, conjunturalmente, isso significasse umas vezes dizer sim, outras não, ou ainda abster-se.