A meia verdade e a demagogia política
publicado na edição de hoje, 14 de setembro, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
A meia verdade e a demagogia política
A propósito da publicação das listas com as candidaturas ao ensino superior e o aproximar de mais um ano lectivo o Primeiro-ministro afirmou que «o aumento de colocações no ensino superior registado este ano representa a morte do modelo de desenvolvimento sem direitos, salários e Estado Social que a direita quis impor».
Com isto, António Costa quis afirmar que existe uma recuperação financeira das famílias que permite um maior acesso dos jovens ao ensino superior, algo que o anterior governo PSD-CDS, segundo o Primeiro-ministro, não conseguiu e regrediu (empobreceu). António Costa criticou ainda a desculpa da demografia eventualmente usada pelo Governo de Passos Coelho.
O facto é que António Costa tem metade da razão e da verdade: a primeira fase dos resultados de colocação dos "caloiros" revela-nos um aumento do número de alunos colocados nas universidades e institutos politécnicos, isto é, mais cerca de 2,1% totalizando perto dos 43 mil alunos. Só que há dois pormenores que António Costa preferiu esconder. Os últimos três anos registaram aumentos no número de alunos colocados no ensino superior o que, por seu lado, desfaz a sua tese de que tal é resultado da melhoria das condições de vida das famílias portuguesas. A menos que António Costa tenha dado um verdadeiro tiro no pé, com tanta ânsia de anunciar a boa nova, e reconheça, de facto, que durante os últimos dois anos de governação PSD-CDS as condições de vida dos portugueses e das suas famílias tenha também melhorado.
O número de colocações de novos alunos no ensino superior, tal como o Primeiro-ministro afirmou, não tem, de facto a ver com questões de demografia. Aliás, isso é patente no primeiro ciclo (antiga primária) e é uma realidade que o Governo não pode esquecer: o mesmo número de turmas abertas no 1º ciclo que em 2015/2016 (55 mil) mas um decréscimo no número de crianças matriculadas (80 mil para este ano lectivo face às 94 mil do ano passado).
A sustentação ou as fundamentações para o ingresso no ensino superior são muito mais variadas e complexas do que o factor financeiro (mesmo que este seja, compreensivelmente, importante). Há que ter em conta, por exemplo, a decisão em 2009 do Governo de José Sócrates, pela mão da então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, de aumentar a escolaridade obrigatória até ao 12º ano (medida com prazo de aplicação efectiva até ou a partir de 2013), medida que começa agora a dar os seus frutos por força da diminuição do abandono escolar. Por outro lado, o aumento do número de vagas tem igualmente impactos no aumento do número de alunos no ensino superior.
Mas há mais… Era bom que o Governo PS, sustentado pelo BE e pelo PCP, tivesse também presente outras realidades relevantes, face às afirmações do Primeiro-ministro. Para além das questões de âmbito financeiro e económico (cumprimento do défice, orçamentação do Estado, abrandamento do investimento e da economia para metade do previsto) era importante que fossem tidos em consideração outros dados: se 80% dos alunos que terminam o 12º ano, cursos gerais, opta por se candidatar ao ensino superior, apenas 18% dos alunos dos cursos profissionais ou vocacionais têm intenção de prolongar a sua formação académica (dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação); cerca de 24 mil alunos que terminam o secundário opta por não continuar os seus estudos; há cerca de 45 cursos superiores vazios nas universidades e, essencialmente, nos politécnicos, deixando desertas cerca de 1200 vagas na formação superior. A isto, já que António Costa falou da qualidade de vida e dos direitos dos portugueses, importa recordar o desemprego, o número de desempregados que já não consta dos dados do IEFP (sem subsídios e sem emprego) ou quem em Julho o IEFP registava um aumento do número de casais desempregados (mais de 21 mil) ou ainda que, segundo um estudo sobre sustentabilidade realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, cerca de 30% dos portugueses deixou de ter possibilidade de comer em restaurantes e que 13% comem pior desde que a crise se instalou em Portugal.