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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A pergunta para 110 milhões de euros

Barragens EDP: Quem esconde o quê, quanto e porquê?

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A organização não-governamental Transparency Internacional (TI) revelou, no seu mais recente relatório, que Portugal ocupou, em 2020, o 33.º lugar no Índice de Percepção da Corrupção (com 61 pontos, sendo a pontuação mais baixa de sempre: 62 pontos em 2019, 64 em 2018, 63 em 2017 - quanto mais alta for a pontuação melhor). Um ranking internacional, que integra 180 países, onde figuram, nos quatro primeiros lugares países como a Dinamarca e Nova Zelândia com 88 pontos, seguidos da Finlândia e Singapura, com 85. Portugal situa-se abaixo dos valores médios da União Europeia, fixados nos 66 pontos do ranking TI.

Vem isto a propósito - outros contextos poderiam ser referenciados - da polémica com a venda, entre finais de 2019 e início de 2020, das seis barragens no Douro pela EDP no valor de 2,2 mil milhões de euros e que deveriam resultar no pagamento ao Estado de 110 milhões de euros em Imposto de Selo. Algo que não foi realizado.
Segundo os factos e os dados em cima da mesa, EDP e a Engie, com as empresas Águas Profundas, Camirengia e Movhera no centro do negócio, transformaram um trespasse de concessão das barragens para um processo de fusão de sociedades.
Deixemos de lado a questão orgânica do processo (um resumo factual pode ser consultado aqui, via jornal ECO) porque é mais que evidente que, de forma abusiva ou involuntária, houve um manifesto aproveitamento de uma "janela legislativa" ou de um "buraco fiscal" que permitiu a fuga ao pagamento dos 110 milhões de euros.

Há, no entanto, algo que nos deixa ainda mais perplexos... mais do que o próprio inusitado negócio.
O negócio era, tinha forçosamente de o ser, do conhecimento do Estado: Governo, Ministério do Ambiente, Ministério da Energia, Ministério das Finanças, pelo menos. Aliás tinha que contemplar pareceres e relatórios (como se efectivou), por exemplo, da Agência Portuguesa do Ambiente.
É, portanto, no mínimo surreal (para ser soft e minimamente contido) que o Ministro das Finanças, João Leão, venha, mais de um ano depois, afirmar publicamente (na passada terça-feira, na Assembleia da República, que a Directora-geral da Autoridade Tributária (AT), Helena Borges, informou o Governo que já está em curso uma análise à venda da concessão das barragens da EDP à Engie: «Os serviços do fisco já estão a trabalhar neste processo, preparando elementos para uma “eventual liquidação de impostos devidos». Parafraseando o título do programa na SIC do Ricardo Araújo Pereira "isto é gozar com quem trabalha... e paga os seus impostos" (e muitos, com um austeridade cada vez mais camuflada, mas presente).

Conhecido o negócio e o processo, só agora é que a AT se lembrou de fiscalizar as obrigações fiscais?
Não fora o alerta e a acusação pública, iniciada pelo BE e secundada pelo PSD, o Governo, nomeadamente as Finanças, teriam agido? Ou, mais uma vez, ficava-se pela esperança que ninguém se lembrasse ou reparasse no caso?
Se eu vender o meu imóvel não declarar as mais-valias do negócio a AT também se "esquece" de fiscalizar a transacção? Se eu não entregar a minha declaração anual de IRS, o sistema da AT também "fecha os olhos" ou notifica-me passados apenas cerca de 15 dias a 1 mês? Se...? Se...

Alguns governantes são tão lestos a olhar para o sistema de ensino, trabalho e saúde, para a participação democrática e cívica, para o Estado Social, para a economia dos chamados países nórdicos ou do norte da Europa (Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Alemanha, ...). Ao mesmo tempo que mantém, incoerentemente, o seu abjecto hábito secular de ser Forte com os Fracos e Fraco com os Fortes.