A política do séc. XXI vista pela cartilha ideológica do séc. XIX
É difícil perceber e aceitar que, em 2024, ainda haja quem não consiga percecionar que não há ditaduras à direita e ditaduras à esquerda, que não há ditaduras democráticas, nem ditaduras comunistas. Há ditaduras, ponto.
Há um sistema político, uma organização de um Estado que limita, condiciona e restringe os mais elementares direitos e liberdades, que oprime os mais frágeis ou que privilegia os mais fortes, as elites, sobre o povo.
E mesmo sendo óbvio que, numa democracia, o voto é um dos seus pilares (livre e consistente), não é apenas por se realizarem eleições que nos deparamos cum um sistema democrático (ou que do processo resulte um sistema democrático). Como é tão usual referir, Hitler também foi eleito num processo eleitoral. Assim como não bastam as referências de Estado ao socialismo ou ao progressismo/democracia para que um regime se torne democrático.
Mesmo sem as provas (que têm sido, aliás, solicitadas pela comunidade internacional), é, pois, difícil aceitar que as eleições, ontem, na Venezuela espelhem a vontade expressa no voto pela maioria dos venezuelanos.
Por mais que as sondagens errem, todos os cenários apontavam para a derrota de Nicolás Maduro, com resultados muito afastados dos números finais. E, no caso em apreço, até a própria conceção do logro eleitoral foi vítima de fraude. Não é aceitável que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anuncie e proclame um vencedor (fosse ele quem fosse) quando muitos votos estavam, ainda, por contar (80% das mais de 300 mil mesas de voto). Não é aceitável, por mais complexo que seja o sistema eleitoral, que a percentagem dos votos expressos, repartidos pelos candidatos seja (muito) superior a 100% (total de 132%). Por outro lado, percebe-se agora, ou fica agora mais claro do que na altura, o porquê de Nicolás Maduro ter sido o único candidato que assinou a declaração do CNE em que assumia, por sua honra, respeitar o resultado eleitoral, qualquer que fosse, “antevendo”, claramente, o desfecho que se verificou. Isto depois, importa recordar, de ter chantageado o eleitorado com a ameaça de um banho de sangue caso perdesse as eleições.
Face a estes e a muitos outros contextos, torna-se evidente que as eleições forma tudo menos transparentes, rigorosas e fiáveis. A evidência é tal que apenas dois países da América do Sul felicitaram Maduro pela reeleição, tendo soado críticas por parte de insuspeitos como o Chile, Brasil, Peru ou Colômbia.
Até mesmo em Portugal, o Bloco de Esquerda (tantas vezes acusado, de forma injustificada e errada, de apoiar Chávez e Maduro) criticou, de forma mais clara e incisiva do que o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros, os resultados eleitorais e (sic) a oportunidade perdida da democracia prevalecer na Venezula.
Novidade?! Claro… o Partido Comunista Português que, mais uma vez, tal como aconteceu em relação à invasão e guerra na Ucrânia, ainda não percebe o porquê do seu afundamento eleitoral, eleição após eleição.
Se a posição, tornada pública através de comunicado oficial, não é, em si mesma, surpreendente, já os termos e os fundamentos são, deveras, surreais e reveladores de um partido completamente alheado da realidade social e política do séc. XXI.
Felicitar um “conjunto das forças progressistas, democráticas e patriotas venezuelanas que alcançam mais uma importante vitória com esta eleição” quando já o mundo inteiro, mesmo aquele que apoia Maduro por razões geoestratégias (económicas e políticas), como a China, o Irão, Cuba ou a Federação Russa, percebeu que as eleições estão contaminadas e viciadas, ou falar de democracia num sistema autoritário, é completa cegueira ideológica e propagandista, espelho do que significa, de facto, ser comunista num contexto de democracia e de liberdade.
Ou, até, condenando os que “procuram animar a campanha promovida pela extrema-direita golpista”, precisamente no dia em que o líder chinês, Xi Jinping, acolhe, de “braços abertos”, a primeira-ministra Giorgia Meloni, da extrema-direita nacionalista italiana.
E sobre isto, nem uma linha de repúdio, por exemplo, no tik tok.