A política globalizada que nos afeta, sempre
(crédito da foto: Angela Weiss / AFP, in DN)
Nesta semana muito se disse sobre as eleições presidenciais americanas que irão escolher o próximo inquilino da Sala Oval, na Casa Branca. E muito ainda haverá por contar até novembro.
O que é surpreendente é a reação naïf, um distanciamento ingénuo assumido e consciente, em relação ao que se passa nos Estados Unidos. A maioria dos portugueses acha que é assunto que só a eles diz respeito porque as eleições norte-americanas não vão trazer mais emprego, aumentos de salário, redução dos juros do empréstimo à habitação ou a renda da casa, diminuição do preço dos alimentos ou dos medicamentos, mais médicos, mais professores, melhor justiça.
Em pleno século XXI, é pesaroso reparar que haja quem ache que o mundo se circunscreve à sua região e às fronteiras nacionais (que já nem fisicamente existem) e que há milhas e milhas atlânticas que nos separam dos Estados Unidos da América.
É doloroso que haja quem limite a globalização à questão meramente comercial, quais caravelas quinhentistas à descoberta do ouro, café e especiarias para o reino, sem ter consciência geopolítica e geoestratégica e os impactos que determinadas dinâmicas políticas (democráticas ou não) têm nas nossas vidas e no nosso dia-a-dia.
Que haja quem já se tenha esquecido dos resultados da pandemia e dos efeitos económicos e sociais da crise inflacionista no nosso quotidiano, resultado da Covid e da guerra na Ucrânia. Desenganem-se. As eleições norte-americanas são quase tão importantes como as nossas eleições. Já não vivemos em bolhas, confinados ao nosso quintal, imunes ao exterior. Já não estamos, nem conseguiremos estar (felizmente) “orgulhosamente sós”.
Apesar do condenável acontecimento na Pensilvânia, nada está garantido (há sondagens com margens de, apenas, 5%) nas eleições, apesar das elevadas hipóteses (considerando os ganhos do “voto de caridade”) de Donald Trump poder ganhar. E não é indiferente se a vitória pende para o lado de Trump ou para o Partido Democrata (com ou sem Biden). A vitória dos republicanos terá impacto(s) no mundo.
Primeiro, na democracia e a alavancagem de princípios que têm abanado os seus valores com o crescimento da ideologia extremista, nacionalista e radical da direita, com consequências graves na coesão e na sobrevivência da União Europeia. E só isto, para um país como Portugal, que depende dos apoios europeus, deveria preocupar os portugueses.
A posição ambígua de Trump em relação à Ucrânia é outro motivo de preocupação, principalmente pela sua proximidade com Putin e as críticas feitas ao apoio militar e financeiro dos Estados Unidos a Kiev. Um retrocesso no processo e na pressão para o fim da guerra beneficiando o invasor, daria à Federação Russa uma confiança política para novas interferências internas noutros países do leste europeu.
Há ainda a relação de Trump com a NATO. Desde as ameaças à retirada americana do Tratado fundado há 75 anos, até à afirmação em que referiu “que não protegeria um país que não pagasse os 2% do PIB” como ainda encorajou Moscovo a fazer o que quisesse”. A segurança internacional, a já tão frágil paz no mundo ficará comprometida.
Voltando as costas à Ucrânia (e à Europa) e, até, à Faixa de Gaza (à legítima pretensão da Palestina e no reconhecimento do seu Estado), é conhecida a prioridade de Trump e dos Republicanos: a China. Pressioná-la e confrontá-la indistintamente, trará uma instabilidade económica enorme no mundo resultado da oposição entre as duas maiores economias do mundo.
Mas também do ponto de vista social, as posições que se esperam repetíveis em relação à migração e ao ambiente, deixará marcas internacionalmente.
É, por isso, com preocupação que temos que olhar para o outro lado do atlântico, porque uma vitória de Trump vai trazer, aos portugueses, menos emprego, menos salário e mais desigualdades sociais, mais emigração e imigração, mais inflação, com aumento dos juros e do custo de vida, e menos médicos, menos professores, pior justiça.
Publicado na edição de hoje, 22 de julho, do Diário de Aveiro (pág. 8)