A política não é um número de circo
(crédito da foto: Tiago Miranda, in Expresso)
Com todo o respeito pelas artes circenses, a verdade é que as melhores memórias de uma ida ao circo são as dos palhaços. E se num circo, seja qual for a idade, o palhaço e as suas palhaçadas são dos pontos altos do espetáculo, na política a adjetivação depreciativa é, pelo contrário, criticável e condenável. Infelizmente, há quem teime em transformar a política num circo e achar que todos os portugueses são parvos ou ingénuos.
Já se percebeu, mesmo dentro dos 1,17 milhões de “votos de protesto”, que o que o Chega pretende com esta pseudo crise institucional da acusação ao Presidente da República não é mais que o reflexo de uma linha programática (mais que ideológica) e a tentativa de criar um número político que mantenha o partido na esfera pública e no mediatismo político e informativo. Por mais que a Comunicação Social se penitencie pelo “monstro” que criou e com o qual não sabe lidar (entre a ética/deontologia e o rigor profissional e a agonia do peso das audiências), André Ventura sabe que é no espaço informativo mediático que terá audiência e palco, independentemente das figurinhas que faça no ”tiktok”.
Há oito dias referi a concordância com a ideia do Presidente da República em relação à responsabilidade histórica, seja nas virtudes, seja nos erros: o colonialismo é uma mancha na história portuguesa que deve ser assumida, deve ser discutida e que deve ser revisitada. Seria um ato de nobreza democrática e republicana que honraria o Estado Português.
Não houve, nas afirmações do Presidente, qualquer tentativa de penalizar ou criminalizar quem quer que fosse, nem mesmo o anterior regime. É apenas o assumir os erros de uma herança histórica que é, por isso, responsabilidade atual de todos nós, seja na vertente financeira (acordos ou reduções de dívidas), cultural (devolução patrimonial indevida) ou social (acolhimento, nacionalidade ou no combate à exclusão e ao racismo).
E muito menos houve a desvalorização, o desrespeito ou o menorizar do sofrimento dos que retornaram (e que o Estado soube, à data, com mais ou menos dificuldade, acolher) e dos que combateram, foram feridos ou faleceram na condenável guerra colonial. A mesma que, para a maioria dos nossos combatentes e heróis, foi motivo mais que suficiente para que alguns Capitães desencadeassem a Revolução de Abril que nos deu a liberdade e a democracia. Tal como afirmou o próprio Presidente da República: «além do património das ex-colónias, estão por resolver, também, os problemas dos antigos combatentes e dos "espoliados" dos seus bens nas ex-colónias e obrigados a regressar a Portugal».
É mais que óbvio que não há qualquer crime de traição à Pátria, nem crime político na eventual reparação histórica do período colonial. Nem há, ainda, qualquer extravasar de funções presidenciais. Antes pelo contrário, concordemos, ou não, com as declarações, há o normal exercício da função que implica competências no âmbito das relações externas e de representação do Estado, enquanto primeira figura, assumindo, para o bem ou para o mal, estes 900 anos de história.
O que há é um narcisismo pessoal e político do líder do Chega que o transporta, repetidamente, para uma realidade paralela, para a mentira compulsiva e para o populismo demagogo e ideológico, onde cabe o nacionalismo bacoco, o retrocesso civilizacional e o racismo e que importa condenar.
O que há é um crime, esse, sim, punível pelo Código Penal, de insulto e difamação à primeira figura do Estado Português e que importa realçar.
O que há é a usurpação da ética política e da nobre função parlamentar para a transformação da política num circo, no seu significado depreciativo e que importa combater.
publicado na edição do dia 13 de maio do Diário de Aveiro (pág. 8)