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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A via verde da mercantilização da sobrevivência

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O Governo, “assessorado” pelas diversas associações do setor económico nacional, nomeadamente, indústria, construção civil, agricultura/pescas e turismo (restauração e hotelaria), chegou, finalmente, a uma conclusão óbvia, apesar de questionável quanto aos princípios e valores que sustentam a sua difusa argumentação.

Depois da propaganda governativa (falhada… totalmente falhada) na instrumentalização da atuação e missão da das forças policiais em alguns bairros de Lisboa, depois dos alertas da economia em relação a uma eventual estagnação de alguns setores em determinadas regiões do país (como o turismo), depois da perceção da incapacidade de cumprimento de metas e prazos do PRR (setor da construção e obras públicas, por exemplo), depois de ter, injustificadamente, revogado e alterado normas e regras migratórias (como, por exemplo, o mecanismo da manifestação de interesse), depois de ter errado na estratégia política de captar eleitorado e opinião pública com base na narrativa radical, extremistas, racista e populista da extrema-direita, eis que o Governo (o atual governo) percebeu o óbvio e o que a própria sociedade (a maioria, felizmente) já tinha assimilado e assumido: os imigrantes são bem-vindos e são importantes para o país. Trabalham, contribuem para o Estado social do qual dependemos (e ainda bem… mais de 2 milhões de saldo positivo na contribuição social); não são, de todo e comprovadamente, fator de insegurança e instabilidade social; não retiram emprego, nem absorvem, indiscriminadamente, as respostas sociais do Estado; são um importante contributo para o rejuvenescimento demográfico de um país (demasiado) envelhecido; e são um inquestionável fator de multiculturalidade e de pluralidade.
Estes fatores, por si só, seriam mais que suficientes para que Portugal, também ele desde longa (e longínqua) data uma nação de migração (emigrantes à imigrantes), com forte identidade acolhedora (apesar do racismo e da xenofobia, estruturalmente, latentes e minoritários), assumisse esse papel integrador e inclusivo.

Mas, e porque estamos perante uma governação do “afinal” e do “mas”, eis que o Governo embarca numa narrativa mercantilista da dignidade e dos direitos humanos fundamentais, em vez de procurar encontrar mecanismos e políticas que promovam esse acolhimento, permitam (tal como aos nacionais) qualidade de vida mínimas (pelo menos), possibilitem a integração social dos imigrantes, sem entrar no ignóbil e deplorável conceito de superioridade racial, estratificação e elitização da imigração.

Não há muito tempo, cerca de duas semanas, o Governo assumiu que era importante rever algumas medidas migratórias e criar a “via verde” para a imigração, nomeadamente a dirigida ao setor da construção civil, esperando por parte das empresas capacidade para a criação de condições de integração, concretamente as que respeitam à habitação.
Ora, o que está em causa nesta visão do Governo, não é o sentido humanitário do acolhimento, a proteção dos mais elementares direitos, liberdades e garantias de qualquer pessoa (crianças, jovens, mulheres, homens, idosos, …), a defesa da dignidade humana daqueles que, essencial e maioritariamente, procuram o país na condição de refugiado, de quem se sentiu na necessidade de sair da sua terra e da sua casa para sobreviver, para fugir à guerra, à fome, à pobreza, aos impactos das alterações climáticas, à perseguição ou à exploração. Nalguns casos, ressalvando as devidas comparações, tal como muitos portugueses que arriscaram tudo (incluindo a própria vida) para “a salto” fugirem ao regime fascista, à fome e à pobreza (e, ainda, à guerra em África), abraçando o desconhecido e a incerteza, sem quaisquer garantias de mínimas condições de sobrevivência digna.

Com esta “via verde”, o Governo está a transformar a imigração apenas num mero expediente mercantilista, de exploração de mão de obra para setores de atividade precários, mal remunerados e profissionalmente frágeis, que ninguém quer ou que todos rejeitam, sem que sejam criadas condições mínimas para o acolhimento e integração dessas pessoas, a quem deve ser reconhecido o mesmo valor de dignidade e de vida. Faz lembrar, recuando 60, 70 ou 80 anos, as condições que eram prestadas a milhares de portugueses que foram “abraçar” profissões e funções que franceses, luxemburgueses, suíços, alemães não queriam porque era trabalho para pobres, trabalho sujo e socialmente rejeitado.

Infelizmente, falta a preocupação do Governo em garantir aos que escolhem Portugal para viver e trabalhar, por clara necessidade vital, dignidade no acolhimento e na integração, condições de vida, pelo menos, mínimas, e mecanismo de inclusão plena.
Ninguém escolhe, de forma irrefletida, deixar a sua casa, os seus familiares, a sua cultura, a sua terra por manifesta vontade. Fá-lo porque precisa de (sobre)viver. Não se é imigrante por vontade, mas sim por necessidade. Na maioria dos casos, a última necessidade.
Não fosse a clara e elevada falta de mão de obra em determinados setores da economia nacional, o Governo estaria tão disposto a facilitar o acolhimento de imigrantes? Estaria disposto a contrariar a narrativa extremista da “imigração de bem”? Estaria capaz de condenar o discurso racista e xenófobo daqueles que, de mão no peito ao domingo, esticam o dedo acusatório e discriminatório contra os seus semelhantes (contrariando a doutrina dogmática que tanto dizem professar)?

Garantidamente, este (des)Governo, NÃO!

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