Abril cumpriu-se como um todo
o resto é a consequência de um caminho livre e democrático, que nunca foi, nem é, fácil.
Tenho um enorme orgulho em ter laços familiares com um Capitão de Abril e Capitão de Novembro (do Grupo dos Nove).
Ainda retenho na memória histórias contadas e contextos do "Verão Quente de 75". As mesmas que retenho das vividas ou contadas do 25 de Abril de 74.
Sempre entendi - e defenderei - que o 25 de novembro de 75 teve um papel importante na história destes quase 50 anos de liberdade e democracia. Mas nunca, sob o pretexto de deturpação da realidade, estarei do lado dos que pretendem reescrever a história por mero interesse partidário (nem político, se quer) ou ideológico. Nomeadamente ao lado daqueles que, na vivência dos tempos quentes e conturbados dos primeiros passos da revolução, permaneceram do lado nenhum da barricada, na hipocrisia do silêncio e da expetativa, e que apenas beberam (e ainda bebem) do triunfo e coragem de outros.
É mais que óbvio e claro que, após a madrugada de 25 de abril de 1974, muita coisa haveria de ser marcante neste percurso democrático e de liberdade no país: a liberdade, a democracia, a Constituição da República Portuguesa, o Poder Local, o voto livre, os direitos e garantias, … (interminável). Os portugueses adormeceram em ditadura e, sem nada o prever, nem em sonhos, acordaram em liberdade. Assim, sem mais, nem menos, exceção feita para a coragem e determinação dos Capitães e dos militares que derrubaram o Governo de Marcelo Caetano. E os primeiros anos, os primeiros passos desta nova realidade política, social e cultural, seriam, com toda a naturalidade, de incertezas, de inseguranças, de avanços e recuos.
Mas é bom, para todos, que não esqueçamos a história e os factos:
- o 25 de Abril de 74 foi um movimento revolucionário militar que os mesmos militares devolveram ao Povo. Curiosamente com um episódio de tentativa de golpe, falhado, protagonizado pelo general Spínola, a 11 de março de 75, e que não vejo a direita conservadora a recordar (importa esquecer, obviamente), nem a esquerda reivindicar a necessidade de se assinalar;
- o 25 de Novembro de 75 foi um episódio mais uma vez planeado e protagonizado pelas forças militares moderadas, conduzido no seio do Conselho de Revolução (e não no povo ou nos partidos), sendo certo que os socialistas, com Mário Soares à cabeça, deram a expressão popular ao resultado da REPOSIÇÃO dos valores de liberdade e democracia que sustentaram o 25 de Abril. O 25 de Novembro de 75 foi, acima de tudo, um momento de correção da democracia e da liberdade conquistadas em abril de 74.
Independentemente da importância da reposição (correção) da democracia após a revolta de Tancos e a demissão do Governo do general Vasco Gonçalves, após o equilíbrio de forças no Conselho da Revolução através do Grupo dos Nove, o 25 de novembro não é comprável ao 25 de abril de 74. É, assim, uma consequência do que foram os valores de Abril, como o foram as eleições para a Assembleia Constituinte (25 de abril de 75), a Constituição Portuguesa aprovada a 2 de abril de 1976, as Presidenciais de julho de 76 e as primeiras eleições autárquicas a 12 de dezembro de 1976. Isto sim… foi a verdadeira implementação da democracia e o seu pleno exercício.
Trazer, ainda por cima bem a despropósito (5 de outubro), a questão das comemorações do 25 de novembro de 75 é, descaradamente, uma manobra de perfeito populismo e de atentado à história do Portugal democrático.
Há várias perguntas que importam:
- os que se dizem, agora (na altura nem sequer se manifestaram), tão defensores do 25 de novembro, estão dispostos a celebrar Mário Soares, o PS, os militares Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pedro de Pezarat Correia, Manuel Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor Alves ou Vitor Crespo?
- os que se dizem, agora (na altura nem sequer se manifestaram), tão defensores do 25 de novembro, estão dispostos a celebrar os fundamentos e principais objetivos que nortearam a intervenção dos militares moderados do MFA: a recusa tanto do modelo socialista da Europa de Leste, bem como o modelo social-democrata da Europa Ocidental, defendendo um projeto socialista alternativo baseado numa democracia política, pluralista, nas liberdades, direitos e garantias fundamentais?
- os que se dizem, agora (na altura nem sequer se manifestaram), tão defensores do 25 de novembro, estão dispostos a celebrar a denominada “Terceira Via”, através da “criação de um amplo bloco social de apoio de um projeto nacional de transição para o socialismo, numa sociedade sem classes, onde tenha sido posto fim à exploração do homem pelo homem implementada aos ritmos adequados à realidade social portuguesa"?
Tretas…
Os que se dizem, agora, tão defensores do 25 de novembro de 1975 apenas pretendem reescrever a história e apontar “artilharia política e ideológica” à esquerda radical.
Se querem celebrar, de facto (e pelos factos), a democracia e a liberdade em Portugal, assumam o verdeiro sentido do 25 de Abril e não deixem que a esquerda radical assuma um papel de “paternidade, propriedade e titularidade” que nunca lhe foi atribuída, nem devida.
Não tenham medo ou vergonha de colocar o Cravo na lapela. Porque foi para isso que se fez o 25 de Abril. E é aí que se celebra a liberdade e a democracia... mesmo a que permite estes absurdos políticos.