Anticiclone (político) dos Açores
Publicado na edição de hoje, 12 de fevereiro, do Diário de Aveiro (pág. 6)
Sim… falamos de tempo da democracia e falamos de tempo político. Um anticiclone subtropical, no qual se insere o Anticiclone dos Açores, é caracterizado por uma massa de ar quente e sem humidade, e, por isso, relacionado com um céu limpo e sem nuvens. No caso da atual conjuntura política açoriana ele contraria, em tudo, qualquer princípio da meteorologia: muita nebulosidade e correlações partidárias frias, para não dizer gélidas e pouco limpas (transparentes).
Tomemos, como ponto de partida, os recentes resultados eleitorais, registados no dia 4 de fevereiro, para atribuição dos 57 lugares da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
E se, analisados os números, afinal tivessem perdido todos? A verdade é que assistimos a derrotas mais ou menos e a vitórias pírricas ou pífias. A história, na política, tem memória e a realidade (conjuntura) não surge do vácuo, e as últimas eleições regionais ocorrem, apenas, há cerca de 3 anos.
O PS perde as eleições porque não conseguiu ser a força política mais votada, apesar de registar, apenas, perda de 2 mandatos e ter aumentado o número de votos, em relação a outubro de 2020. Mas longe de qualquer tragédia ou catástrofe anunciadas. O BE perde apenas 1 deputado, embora registe uma queda de cerca de 1.000 votos. O IL não tirou qualquer tipo de proveito enquanto um dos dois partidos, juntamente com o Chega, que provocou a crise política. Manteve o único lugar que tinha na Assembleia Regional e praticamente o mesmo eleitorado. Assim como o PAN, o mesmo deputado, o mesmo eleitorado. Mas a democracia também sai derrotada ao promover a subida de uma força partidária, o Chega (que duplica o número de votos e acrescenta 3 lugares aos 2 conquistados, em 2020, na Assembleia), que tem nos seus princípios, estratégia e ideologia o mais vil e perigoso ataque aos valores e alicerces da democracia. Perde, claramente, um sistema democrático que não blinda uma força antissistema.
Por fim, a vitória de Pirro do PSD. É certo que ganha o processo eleitoral porque foi o mais votado, se bem que através de uma coligação. Foi o mais votado, mas, nem por isso, o vencedor. Primeiro porque, comparativamente a 2020, somados os números PSD+CDS+PPM, a diferença é apenas de mais um lugar na Assembleia (26 em 2023 face aos 25, somados, em 2020) e cerca de 5.000 votos, num universo de votantes superior a 2020. Segundo, porque não conseguiu a almejada maioria absoluta, nem potenciar a “vitimização política” da queda do Governo, ficando à mercê da coerência ou incoerência estratégica dos jogos de poder. Ou seja… o único vencedor das eleições regionais de 4 de fevereiro foi mesmo o povo e o legítimo e democrático direito e dever cívico do exercício livre do voto.
Mas ainda há muito anticiclone político para observar e sentir nos Açores.
Não há nada de errado ou complexo no exercício de um mandato legislativo sustentado numa maioria relativa, conforme o prova a história destes 50 anos de democracia. Mas até nessa realidade política este “anticiclone” é paradoxal porque a ausência de uma vitória clara (mesmo minoritária ou relativa), atrás descrita, dá origem a uma instabilidade notória face a uma emaranhada e indesejada relação de forças partidárias.
A verdade é que o PSD, por força da sua própria indefinição programática e estratégica, provou do seu próprio veneno e criou uma encruzilhada política difícil de desenvencilhar. Tal é o “desespero” que a última cartada jogada residiu na infeliz e criticável opção de lançar uma armadilha política ao PS e desafiá-lo a validar o Governo. Esta tentativa do PSD Açores em colocar o ónus político no PS não é mais do que um tiro no pé e demonstra que a vitória de 4 de fevereiro não tem, por culpa do próprio PSD, qualquer consistência.
A falta de coragem política para assumir a responsabilidade governativa que lhe foi concedida, mesmo que minoritária, pelo povo, é clara. A falta de coragem política para assumir a coerência da estratégia anunciada pelo líder do PSD nacional, Luís Montenegro, de afastar qualquer relação com o Chega, é evidente, ou, por outro lado, ilusória face a um inevitável aproveitamento da pressão eleitoral em função da relação de forças resultante das eleições de 10 de março. E esta é uma inquestionável realidade, espelhada no adiamento, para depois de 10 de março, da discussão e aprovação do Orçamento Regional para 2024, evitando, assim, qualquer contágio político no que resta desta campanha eleitoral no continente. Ou seja, transparência, clareza, coerência, objetividade e ética democrática é tudo o que não se vislumbra neste PSD. Às escondidinhas, deixando no ar esta permanente nuvem de incerteza e de indefinição é o espelho de uma frágil alternativa governativa para o país.
Sejamos claros e óbvios. Um governo de direita é, à direita, que tem de encontrar a sua natural e óbvia base de apoio. Obviamente que paira, nesta conjuntura açoriana, o descalabro dos acordos estabelecidos com o IL e o Chega, em outubro de 2020 e que culminaram com a dissolução em dezembro de 2023. Ou seja, o panorama da direita nos Açores (e no país) é claro: ninguém confia em ninguém. Daí que para fugir à chantagem do Chega (integrar a governação), José Manuel Bolieiro só viu uma saída para o precipício político: chantagear o PS.
E a política tem memória (e muita e bem viva): Quando o PS ganhou as eleições regionais em 2020 não teve o PSD ao seu lado. Antes pelo contrário, preferiram o poder.
Ou seja… o PS ganha as eleições e o PSD alia-se ao Chega para impedir a sua governação e criar uma alternativa. O PSD fica em primeiro, sem maioria, e quer obrigar o PS a livrá-lo do Chega que foi sua moleta em 2020.
Tenham vergonha… e escusam de abanar com a bandeira da “vingança política”. O PSD tem é que demonstrar responsabilidade e competência. O resto… é a vidinha democrática a acontecer.