As entrelinhas do Plano para a Comunicação Social
Na conferência O Futuro dos Media, o Governo apresentou o Plano de Ação para os Media, com cerca de 30 medidas, algumas das quais deixam mais preocupações e inquietações do que esperança para o setor e os seus profissionais.
Tem sido mais do que badalado o estado presente do jornalismo em Portugal: os desafios, os riscos, as novas exigências, a fragilidade e precariedade do setor, a ética e o rigor profissionais. Num outro prisma, há ainda a interrogação sobre a sustentabilidade do setor, bastando recordar, como exemplos (infelizmente não únicos) os recentes casos do grupo Global Media.
Ora, das medidas previstas nos quatro eixos que estruturam o Plano, em termos concretos e consistentes, há muito pouco em que acreditar e valorizar. Porque mais do que um plano concreto e palpável, mensurável, quantitativo e qualitativo, o que foi apresentado é, na sua maior parte um processo de intenções e de questionáveis boas-vontades.
Juntar um conjunto de diplomas legais (à semelhança do que acontece em tantas áreas do edifício legislativo português) num único decreto ou única lei não é, em si, nada de especial. O que poderá ser mais interrogativo é que alterações legislativas e regulamentares projeta o Governo para a comunicação social. E isso é que pode ser mais inquietante.
Quanto ao eixo dos incentivos, falta muita explicação e informação sobre os processos de apoio à contratação de profissionais, enquanto o que o Plano refere em relação à ”segurança dos jornalistas e outros profissionais” é uma mão cheia de nada, porque nada é concretizado e substancializado. Por outro lado, sabendo-se que o jornalismo local é um exercício de proximidade e de forte compromisso com as comunidades, lamenta-se que o apoio à imprensa local seja pouco mais do que a transferência de responsabilidades para as autarquias, imposta por força de revisão da lei do seu regime jurídico. Neste contexto dos incentivos ou do combate à literacia comunicacional, é de louvar o que é apresentado no Eixo 4 para o incentivo à leitura e aquisição de jornais, nomeadamente entre os mais jovens.
Mas o ponto central e revelador do que é o principal objetivo do Plano fica espelhado no que é protagonizado para o grupo RTP, o canal público de televisão. Não há outra forma de o dizer: o Governo tem como objetivo privatizar a RTP, a seu tempo. Esta questão de excluir totalmente a publicidade comercial em 2027 comporta duas realidades: a primeira, o esforço dos contribuintes para assegurar o financiamento que ficará em falta com a perda de receitas. Por outro lado, é, manifestamente óbvio, o favorecimento aos canais privados (não há almoços grátis), num apoio camuflado e indireto, com a transferência de um mercado mais que fundamental para a sobrevivência dos órgãos de comunicação social. Quer um contexto, quer outro, levará sempre, a muito curto prazo, à fragilização da RTP, à sua desvalorização e ao seu esvaziamento, a ponto do esforço orçamental do Estado no canal público se tornar impraticável, levando à sua privatização. Aliás, não é por acaso que o Plano refere já a necessidade de revisão do contrato de concessão do serviço público. Não se vaticina nada de bom ou de positivo.
Por último, não é novidade a relação sempre complexa (ou tornada, propositadamente, complexa) entre os governos do PSD com a comunicação social. Só como meros exemplos, basta recordar alguns episódios de Cavaco Silva, enquanto Primeiro-ministro, ou, porque a memória não se apaga, o caso de Miguel Relvas com o jornal Público e a então jornalista daquele título, Maria José Oliveira.
Também agora, Luís Montenegro (à semelhança desse último período do PSD no poder), em plena apresentação do Plano de Ação para os Media, sem qualquer despudor, coloca em causa a ética e o profissionalismo dos jornalistas com o absurdo do “sopro auricular”.
Até dou de barato que possa haver perguntas sopradas ao auricular ou previamente escritas nos memos dos jornalistas. E então? Ao jornalista cabe a responsabilidade e o dever profissionais de questionar, inquirir, apurar os factos e a verdade. No fundo... de fazer perguntas.
Mais do que o incómodo político de Luís Montenegro com a verdade e com as perguntas, deveria preocupar o Primeiro-ministro com a sua ausência de respostas ou a forma como despreza as perguntas que, legitimamente, são colocadas.