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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

As paredes que me envergonharam

É suposto ser Natal...

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Longe vai, felizmente, o tradicional castigo escolar das costas voltadas para a sala e virado para a parede (com ou sem as respetivas “orelhas”). Mais do que servir como exemplo, era o recurso à humilhação como corretivo pedagógico.
Também há poucos dias a dignidade humana e o país foram humilhados, embora, neste caso, sem qualquer sentido aceitável de correção ou de exemplo. Apenas a humilhação dos mais frágeis, a superioridade do poder pela força, uma condenável e abjeta fundamentação ideológica racista e xenófoba, um espetáculo desumano e indigno à imagem de um qualquer Estado autocrático e ditatorial, a lembrar as piores imagens da Alemanha nazi de Hitler e a sua relação com o judaísmo e as minorias étnicas, bem no posto ao que devem ser os mais elementares fundamentos e pilares de uma democracia e de um Estado de Direito.

Torna-se imperativo recuar até abril deste ano e recordar as palavras do Primeiro-ministro, numa visita oficial a Cabo Verde, sobre fluxos migratórios: "o que se pode esperar de Portugal é respeito pela dignidade das pessoas".

Ora, depois do que o país pôde assistir, há quatro dias, no Martim Moniz, do ‘respeito pela dignidade das pessoas’ até às perceções sobre insegurança (mais que, provadamente, infundamentadas) e o encostar à parede o Estado de Direito e os direitos universais, sobraram cerca de oito meses de uma estratégia partidária e eleitoralista sob um aproveitamento claro da narrativa ideológica do radicalismo e do populismo anti-imigração.

Os primeiros sinais tinham sido dados, no início de novembro e no rescaldo da morte de Odair Moniz e dos incidentes em Almada, Lisboa, Loures e Odivelas, de meados de outubro, com o absurdo da megaoperação “Portugal sempre Seguro” em alguns pontos da capital. Um resultado pífio na perceção da insegurança no país.
Mais tarde, no final de novembro, numa ridícula conferência de imprensa, ladeado por duas ‘estátuas institucionais’, o Primeiro-ministro voltou à propaganda política e ideológica sobre segurança. Resultado, uma verdadeira chalupice, sem pés nem cabeça, que as forças de segurança e os portugueses bem dispensavam. Que a PSP e a GNR precisam de recursos é uma fenomenal “lapalissada”. Precisam as forças de segurança, a educação, a saúde, a justiça, a mobilidade, a administração pública (central e local), a habitação, o investimento público. Não é novo… é endémico. Portugal tem um fraco e deficitário investimento nas respostas sociais que cabem ao Estado. Mas esta correlação entre investimento em segurança e ações que reforçam, ainda mais, a perceção de insegurança são de uma incompetência governativa deplorável. Muito mais seguro e confiante estaria o país se o Governo investisse em projetos e programas de inclusão, de cidadania, de defesa dos direitos, da dignidade e da democracia, na promoção de territórios e espaços que integrem em vez de excluírem, como respostas sociais básicas (educação, saúde, mobilidade, cultura). Não é pelo exercício, mesmo que persuasivo, da força que se garante uma comunidade mais segura.
E tudo desmoronou, no final da semana, em cima da polémica sobre o acesso ao SNS (universal e gratuito), com o maior ataque à liberdade e à dignidade realizado no Martim Moniz, em Lisboa. Nada mais inseguro que esta instrumentalização política e ideológica das Forças de Segurança, obrigadas ao maior dos inseguros comportamentos: a perda de credibilidade e confiança.

Caiu por terra a máscara da retórica demagoga do PSD e do Governo sobre “coligações negativas entre PS e a extrema-direita” (como se alguma vez tivessem existido). No dia em que no Parlamento, PSD e Chega, juntos, aprovaram mais uma machadada no Estado Social, as ruas tornaram-se palco de perseguição infundada e de preconceito ideológico, num chauvinismo saudosista de um passado recente.
O Governo não agiu sobre o problema real (as fragilidades sociais dos bairros e das comunidades), não acrescentou qualquer desígnio de ação de proximidade, bem pelo contrário cresceu o sentimento de insegurança, a exclusão, a discriminação e o preconceito (ao caso, sobre tantos que tocam às campainhas dos portugueses, alguns “de bem”, para entregar comida a pedido).
Caíram as linhas vermelhas, se é que alguma vez existiram verdadeiramente.

Como português, como cidadão de um enraizado país de emigrantes, as minhas desculpas aos imigrantes da comunidade do Martim Moniz (e a tantos outros) pela forma criminosa com que Portugal atacou a sua dignidade e liberdade. Senti vergonha (e medo, pela democracia). Que triste Natal.

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