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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Chorar os mortos, sarar as feridas e contabilizar os danos… de novo

o inferno do lume, outra vez.

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(crédito da foto: Adriano Miranda, fotojornalista)

Em poucas semanas, o norte e o centro do país avivaram as memórias dos trágicos incêndios de 2017. Em cerca de uma semana o “lume” devastou mais de 124 mil hectares de floresta (e mato), propriedades e bens, provocou 117 vítimas, das quais 12 feridos graves, e, lamentavelmente, 5 mortes.

E, de novo, voltámos a ouvir as mesmas análises e reflexões, os mesmos estudos, os mesmos apelos, as mesmas críticas, os mesmos diretos da comunicação social (alguns bem dispensáveis e questionáveis, como, por exemplo, a “exploração mediática” da aflição, da dor e do sofrimento), a mesma devastação, a mesma tragédia, o mesmo desespero das pessoas, dos autarcas e dos bombeiros perante os mesmos cenários dantescos.

Enquanto a sorte, entre ciclos, for bafejando a nossa floresta durante alguns verões, mais ou menos quentes, suspirados os alívios após as cíclicas tragédias e fechados os rescaldos, o país volta a hibernar no tema dos incêndios, volta a esquecer o trabalho imensurável dos bombeiros, a abafar as cinzas e a enxugar as lágrimas.
É aqui que reside o problema dos incêndios: a falta de ação, vontade e medidas políticas que minimizem, antevejam e acautelem as tragédias, preventivamente.

Portugal é dos países da União Europeia com maior despesa no combate aos incêndios e dos que menos investe na sua prevenção. Diga-se, em abono da verdade, não é uma realidade atual, nem de 2017… é de longos anos.
O que é desejável (e mais que estudado) é que o combate não seja o foco, mas sim a prevenção e a gestão do território. Sejamos pragmáticos e realistas: haverá sempre incêndios, e com as alterações climáticas cada vez mais. Mas sejamos também frontais e claros: falta responsabilidade, coragem e medidas políticas para minimizar esse fado e esse fardo. À boa maneira tuga, “deixa arder que o meu pai é bombeiro”.

A maioria dos portugueses já deu para o peditório do populismo dos atos criminosos. Há incêndios que são provocados propositadamente ou por incúria grave? Há, é um facto. Mas são menos de 30% do seu volume. Portanto, esta retórica surgida dos atos criminosos e da sua perseguição, em pleno furacão do fogo, que as próprias forças de segurança não comprovam, apenas serve para desviar atenções das fragilidades e dos erros de gestão ou para ganhos políticos junto do eleitorado populista e extremista. Nada mais irresponsável e desrespeitoso perante a sociedade.
A maioria dos portugueses também já deu para o peditório da teoria da conspiração contra o eucalipto e as celuloses (ou os ganhos obscuros com os incêndios). Importa notar que as áreas florestais pertencentes às empresas não ardem (ou raramente ardem) e que a madeira queimada vale pouco mais que zero. Mas será sempre importante o equilíbrio entre a economia e os benefícios económicos da floresta e os seus impactos ambientais.

O que ano após ano, tragédia após tragédia, vai permanecendo esquecido e abandonado é a decisão política e a condenável apatia e inação sobre a contiguidade e diminuição da mancha florestal no país, o tipo de floresta que é desejável, o cadastramento da propriedade florestal e a responsabilização pela sua gestão (a começar pelo próprio Estado), uma política territorial que combata o abandono e a desertificação dum país que vai muito para além do litoral, com mais ou menos interioridade, e efetivos e consistentes apoios ao desenvolvimento rural ou à ruralidade.

Já lá vão 7 anos, quase uma década, após os incêndios de 2017 e, para além de tanto e de tudo o que foi estudado, relatado, proposto, científica e objetivamente confirmado, não aprendemos nada. Nem com a tragédia, com a perda de bens e, principalmente, das vidas.
Para o ano voltamos a ter verão e calor… que a sorte nos proteja.

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