Das memórias à identidade: o que perde um bairro
Há pouco mais de uma semana, o Zé Alexandre Silva (da geração mais nova da “Praceta”) escreveu um sentido e apaixonado texto sobre o fim do Café Tako. Para quem nasceu ou cresceu e viveu na “Praceta” é um texto que qualquer um de nós gostaria de ter escrito perante a factualidade dos acontecimentos, e descreve, pelo menos, parte das nossas memórias. Acredito, até, que extensível a todos os que nos “visitavam”.
O texto do Zé Alexandre, “O Tako fechou. Ficam as memórias.”, transporta-nos para essas recordações coletivas do que foram os símbolos e as referências e, principalmente, as pessoas (e já foram algumas que nos deixaram) que há cerca de 70 anos iniciaram a construção social do bairro da Praceta (embora a zona já existisse há muitos mais anos), dos quais, há mais de cinco décadas, fazem parte o ti Artur Teixeira, a D. Isilda, o Paulo (deixaste-nos demasiado cedo) o Vítor (resistência) e, naturalmente, o Armando (dedicação). E por mais que o texto (e nós próprios, os da “Praceta”, do bairro) nos leve a recordar e a fixar estas memórias, ele transporta-me (propositadamente ou não, mas ainda bem que o Zé o faz) para uma outra realidade e leitura.
O território, neste caso específico o bairro (a Praceta) difere de um qualquer espaço geograficamente delimitado pela incorporação, entre outras, de dinâmicas e vivências sociais que resultam da interferência coletiva das pessoas: as suas relações, as suas partilhas, o sentido de comunidade e a construção de uma identidade e sentimento de pertença (espacial e social). E é para esta realidade que o encerramento do Tako me transporta.
A sociedade cria as suas dinâmicas (política, social, económica e cultural) que resultam em processos de mutação, evolutivos ou não, que transformam o contexto e a realidade. Os territórios, as cidades ou os bairros, sentem essas pressões da sociedade que exigem respostas de adaptação.
Ora, a Praceta (como outros bairros ou outras zonas da cidade… tal como muitas outras cidades no país e no globo) tem sofrido e experienciado, desde algumas anos a esta parte, várias dinâmicas que a transformaram: o abandono geracional do bairro, a mobilidade humana, a fixação de novas pessoas que foram ocupando (e ainda bem) os espaços deixados vazios (por quem faleceu ou por quem saiu), a atratividade social (concorrencial) gerada noutros pontos da cidade ou a atratividade de outras áreas funcionais da sociedade que o bairro não comporta/contempla, e, obviamente, a alteração ou o desaparecimento das referências simbólicas que construíram o bairro ou a sua vizinhança mais próxima (basta recordar a perda do papel comunitário e social do Parque da “Macaca” – o Parque da Cidade, Infante D. Pedro, a saída dos Bombeiros Velhos, a deslocação da PSP, a Brigada Técnica da Zona Agrária (Sub-região de Aveiro / Direção Regional de Agricultura), entre outros serviços e atividades comerciais).
Em resumo, a Praceta foi perdendo a identidade que construiu e que acompanhou o seu percurso temporal, o seu sentimento de pertença coletiva e social, o seu sentido de vizinhança, a sua particularidade como bairro.
E se é verdade, como referiu o José Alexandre Silva, que vamos guardando as memórias (e são, felizmente, muitas), não é menos verdade que fomos perdendo as vivências e desvanecendo o sentido de pertença (ao bairro e ao Tako).