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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

De braços abertos…

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Publicado na edição de hoje, 26 de dezembro, do Diário de Aveiro (página 5)

A migração/imigração não deveria ser um tema fraturante, nem polémico. E muito menos uma questão ou um problema.

Qualquer Estado de Direito, ou qualquer democracia ou sociedade consolidadas, deve assumir como alicerce e valor o reconhecimento do princípio universal que determina a livre circulação de pessoas, o direito à escolha onde viver e o seu acolhimento em dignidade (artigos 2.º e 13.º da Declaração Universal dos Direitos Humanas ou os artigos 13.º, 15.º e 16.º da Constituição da República Portuguesa, como exemplos).

Vem isto a propósito da recente aprovação pelos 27 Estados-membros da União Europeia, na passada quarta-feira, do novo Pacto sobre migração, asilo, integração e gestão de fronteiras que torna mais exigente os requisitos para a receção, deportação e concessão de asilo. Se o acordo conseguiu, ainda assim, afastar algumas das medidas radicais da extrema-direita, a verdade é que, apesar disso, os migrantes (imigrantes, deslocados, refugiados) vão sofrer ainda mais e ver os seus direitos (que os têm) muito mais condicionados e restritos. Basta notar que, 24 horas após o acordo estar fechado, Hungria e Eslováquia (quem mais poderia ser) afirmaram recusar aplicar o novo pacto sobre migração. Falamos, no caso da Europa de mais de 1 milhões de pessoas (desde 2015 chegaram às fronteiras europeias mais de 1 milhão de pessoas e destas, em 2023, cerca de 275 mil. Isto, sem esquecer, ainda, o cemitério humano em que se tornou, sem fim à vista, o Mediterrâneo).

Em Portugal, a narrativa populista, racista e xenófoba mantém o discurso da culpabilidade e responsabilidade sobre os migrantes (como se fossem o bode expiatório para todos os males do mundo e da sociedade portuguesa), tal como ficou bem patente na sessão do plenário da Assembleia da República, realizada ontem. O debate agendado, que assinalou o Dia Internacional das Migrações (18 de dezembro) e refletiu igualmente a posição assumida pela União Europeia sobre migração, espelhou as convicções deprimentes e o discurso de ódio presentes na intervenção do líder do Chega, felizmente com o repúdio e a condenação, mais ou menos veemente, de todas as restantes bancadas parlamentares e da Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes.

Para além dos chavões populistas, propagandistas e xenófobos, verdadeiros atentados contra a dignidade da pessoa e às suas liberdades (limita direitos às segundas gerações de imigrantes; política de portas abertas a toda a gente; política de insegurança que todos os portugueses sentem), continuam a proliferar nos discursos propagandistas e alarmistas (para além de falsos) da extrema-direita os mitos do costume sobre os migrantes e refugiados: “roubam e matam”, “vivem do nada”, “tiram trabalho/emprego”, “servem-se do Estado Social (educação/saúde, ação social) sem que tenham direito e à frente dos nacionais”, e por aí fora. Seria longa a lista dos “fantasmas sociais”. Já para não falar das “pessoas de bem e dos ‘outros’” ou da seriação/seleção de “castas ou raças” a acolher.

Se não for pela via dos valores e dos princípios, do respeito pelo pluralismo e pela multiculturalidade, pela não imposição de uma só verdade, pela força do direito a uma vida digna e igual entre qualquer ser humano, pelos muitos contextos de sobrevivência e de fuga à morte (guerra, conflitos, fome, alterações climáticas), pelos impactos que a imigração tem na demografia (principalmente num país, cada vez mais, envelhecido, se não for pelo histórico e pela história de uma sociedade portuguesa alicerçada, ainda hoje, na emigração (só em 2022, o valor das remessas dos emigrantes portugueses situou-se bem perto do 3,9 mil milhões de euros)… ao menos que seja pela realidade dos factos e dos números (fonte: Observatório das Migrações) que contrariam a debilidade dos mitos populistas.

Em 2022, a população em Portugal aumentou 0,44% (em relação a 2021) com forte impacto da componente migratória (desde 2012 o número de estrangeiros em Portugal duplicou, situando-se em cerca de 800 mil em 2022). Ou ainda, segundo os dados recentemente divulgados pelo Global Peace Index 2022, Portugal é o sexto país do mundo e o quinto da Europa mais seguro (numa lista de 163 países). Ou, principalmente, sobre o mito da subsidiodependência ou da falta de contribuição fiscal e solidária, os imigrantes em Portugal deram mais de 1,6 milhões de euros de lucro – repito… de LUCRO – à Segurança Social. Ou seja, apesar de grande parte receber menos cerca de 30% de vencimento do que os trabalhadores portugueses, os imigrantes contribuíram com cerca de 1,861 milhões de euros e receberam, de comparticipações sociais, apenas, 257 mil euros (7 vezes menos), o que representa um impacto significativo e importante nas contas orçamentais e sustentabilidade da Segurança Social. Isto, quando a taxa de beneficiários de apoios sociais entre os estrangeiros é de 38%, enquanto a dos nacionais é de 79%.

Para além disso, os imigrantes (tal como se espera dos nossos emigrantes) têm um papel fundamental no mercado de trabalho, na produtividade e na economia, onde sem o trabalho deles alguns setores e atividades colapsariam. Em Portugal, os estrangeiros, a maioria sem fazer uso das suas habilitações profissionais e/ou académicas, têm uma taxa de atividade (percentagem da população ativa – empregados e desempregados dos 16 aos 65 anos – por cada 100 cidadãos) de 77%, muitas vezes sujeitando-se a condições indignas ou a criminalidade das redes de tráfico de mão de obra.

Se o país tem carências significativas ao nível da habitação, ao nível dos cuidados de saúde, ao nível da educação (em 5 anos o número de alunos estrangeiros nas escolas públicas, ensinos básico e secundário, praticamente duplicou – passou de pouco mais de 50 mil para perto dos 100 mil) e das respostas laborais, a responsabilidade não é dos que procuram o país, por vontade própria, por razões familiares, empresariais (investimento), profissionais ou académicas, ou aqueles que, infelizmente, por uma questão de sobrevivência e de refúgio “batem” à nossa porta. Mais do que limitar, ou ao contrário de limitar e rejeitar, importa saber e criar condições para acolher e integrar. Mais do que fazer dos migrantes o fantasma papão do racismo e da xenofobia, o país tem que procura encontrar respostas que respeitem a dignidade humana e os valores fundamentais.

A mim cabe-me dizer… Obrigado. Thank you; tanye vad; grazie; shukran; mèsi; ndapandula; dyakuyu.