Dizem... A muralha mamarracho
Já em si mesma polémica, a requalificação do átrio da Sé de Aveiro e, principalmente, a escultura, assinada pelo arquiteto Siza Vieira, colocada na rotunda, tem originado outras discussões e iguais polémicas, quer no espaço público físico, quer no digital.
A requalificação do átrio afigura-se pacífica para a generalidade dos cidadãos, nomeadamente os aveirenses. O espaço ficou mais aberto, mais amplo, coloca a Sé (Igreja do então, 1464, Convento de S. Domingos) de forma mais integrada no espaço urbano. Por mais saudades que se possam ter da antiga pérgula, a verdade é que esta requalificação merece nota positiva. Só que com um “senão”.
Por outro lado, percebe-se, na obra de arte que ocupa, nesta data, a denominada rotunda da Sé ou do Museu Santa Joana, a intenção simbólica da representação da antiga muralha aveirense. Mas aqui é que surge a polémica.
Os objetivos de uma muralha são o da proteção/segurança, da divisão, do isolamento ou o de limitar e fechar um território ou espaço. Só que nos dias de hoje, o espaço tem vivências distintas do período entre a segunda metade do século XV e o início do século XIX. É um espaço central da cidade, com o principal símbolo cultural e patrimonial de Aveiro (o Museu Santa Joana) e o símbolo religioso incorporado pela Catedral, que exigem visibilidade e acessibilidade, integração no espaço físico, partilha e inclusão. Para além do facto daquele ponto ser determinante na mobilidade urbana. Tudo o que uma muralha não representa.
A volumetria, o ponto onde foi colocado o “memorial da Muralha” (penso que na então designada Porta do Sol), o impacto que tem no espaço e a “supremacia” em relação aos dois símbolos (Museu e Sé) levam a muitas, bastantes até, reações negativas à obra recentemente inaugurada. O que não deixa de ser legítimo.
E aqui entra o outro lado da moeda da polémica. A forma como muitos aveirenses (e não só) descreveram as suas reações, levou a que tivessem surgidas vozes “pró muralha”, sublinhando a assinatura de um dos grandes nomes da arquitetura nacional, a falta de conhecimento técnico de quem opinou e a respetiva "ignorância popular”.
Duas notas. O facto de ter sido o arquiteto Siza Vieira a assinar o projeto criativo não é, por si só, sinónimo de sucesso. Transporta em si a credibilidade do reconhecimento nacional da obra de Siza Vieira e da sua referência no universo arquitetónico e artístico. Só que nem tudo o que Siza Vieira produziu e/ou idealizou (como qualquer arquiteto ou artista) resultou, foi bem feito e teve empatia.
Mas mais, ainda… uma obra no espaço urbano, enquadrada numa realidade vivenciada nos dias de hoje, paga (não importa a sua quantificação) com o dinheiro dos contribuintes e das contribuições fiscais dos aveirenses, exposta para fruição de todos, que impacta com o seu quotidiano, merece ser apreciada, aplaudida, criticada, desvalorizada ou censurada em função dos conceitos e opiniões de cada um. Seja porque não se “gosta”, seja porque “sim”, só porque parece um “mamarracho”. É um direito legítimo que assiste a quem vive a cidade e a quem vive na cidade. Se assim não fosse, se a obra não é para a cidade, para os aveirenses e para quem nos visita, mais valia o arquiteto Siza Vieira tê-la feito no seu jardim e convidava o seu séquito de adoradores para um churrasco para poderem apreciar a escultura.