Do Atlético Norte até ao Serviço Militar Corretivo, passando por "7 quinas" na Bandeira Nacional
Quando ficámos a conhecer a constituição do Governo, nos ministérios e secretarias de Estado, a primeira reação foi de alguma incerteza e bastantes dúvidas quanto ao seu desempenho. Não se esperaria é que acontecesse tudo tão rapidamente.
Não alinho no princípio e no pressuposto de que são apenas as políticas que contam e não os rostos de quem governa. O desempenho depende dos dois fatores conjugados: políticas/medidas e políticos/executores.
Ao fim de quase 30 dias de governação do país, são mais as trapalhadas e o ridículo do que algo de concreto e palpável para os portugueses, mesmo que meramente projetável.
Da mesma forma que, tão célere e ligeira, tomaram a grande medida governativa, até à data, da alteração do logótipo, fundamentando no respeito pela simbologia nacional e da nossa história, temos o principal candidato do PSD às eleições europeias a sobrevalorizar a bravura de D. Afonso Henriques que derrotou, na batalha de Ourique, não 5 mas 7 reis mouros, e a falar numa bandeira portuguesa com 7 quinas, ou o ministro da Defesa que tem, sob sua responsabilidade, também, a relação com a NATO, a falar (e repetir) de um (novo) tratado, o Tratado do Atlético Norte. E o problema era o desrespeito pela história portuguesa do logótipo usado pelo anterior Governo.
Isto, para além de toda a trapalhada com o IRS (não só o recurso à medida aprovada no atual Orçamento do Estado, mas a demagogia e o populismo de reduzir o valor da taxa a quem está isento de IRS, entre outros); do incómodo que cada pergunta sobre Espanha causará no pior ministro deste Governo, Paulo Rangel; do adiamento de medidas tão proteladas como urgentes e imediatas durante a campanha eleitoral, como com as forças de segurança, os professores ou os médicos; do saneamento político do Diretor Executivo do SNS, Fernando Araújo, o que resulta numa preocupação quanto aos destino do SNS e da saúde como um “bem público”, ou, ainda, a vergonhosa e infame demissão da Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou a eventual demissão do Conselho Diretivo da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (o que levanta preocupantes interrogações sobre a visão da AD para a imigração). Além de um conjunto de surgimento de desculpas esfarrapadas para a incapacidade de aplicar o Programa Eleitoral ou o Programa de Governo que apresentaram e aprovaram.
Mas como se isto tudo, em cerca de 30 dias, não fosse, por si só, suficiente para questionar a competência deste (des)Governo, eis que surge nova trapalhada governativa, surreal e estapafúrdia, mas que espelha bem a leviandade com que este Governo trata os assuntos sérios.
O ministro Nuno Melo, Ministro da Defesa Nacional (o do novo tratado internacional), defendeu, no jantar-conferência da Universidade Europa (iniciativa de formação política do PSD), que o serviço militar poderia ser uma alternativa para jovens que cometem pequenos delitos, em vez de serem colocados em instituições que, na maior parte dos casos, só funcionam como uma escola de crime para a vida. Acrescentou, com toda a clareza: “Quantos destes jovens é que, se em vez de estarem institucionalizados sem nenhumas condições, pudessem cumprir um serviço militar, ter oportunidade de um exercício de formação, de autoridade, de valores? Não poderiam ser mais tarde cidadãos muito melhores?”.
As Forças Armadas portuguesas enfrentam desafios bastantes relevantes quanto à sua sustentabilidade, estruturação, reabilitação e missão, ao ponto de, recentemente, ter sido questionada (mal) a questão do regresso do Serviço Militar Obrigatório (SMO).
Mas o Ministro que, sobre o SMO, afirmou, há semanas, que não existem condições para equacionar o seu regresso ou a sua reflexão, sequer, é o mesmo que desrespeita e descredibiliza, totalmente, o papel das Forças Armadas, com esta inenarrável e indescritível proposta, que, mais do que tudo, espelha a forma como esta direita governativa encara a questão da Defesa e da Segurança ou a própria realidade social e da justiça.
E não está só, considerando a forma como a Ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, veio sublinhar e reforçar a ideia do ministro Nuno Melo, referindo, inclusivamente, que esta era a ideia do próprio Governo, já que, conforme referiu à imprensa, “o ministro da Defesa, Nuno Melo, obviamente, falou em nome de todo o Governo”. Pior a emenda que o soneto.
A questão é que esta ideia peregrinamente perigosa e disparatada, atenta contra a dignidade das Forças Armadas, do Serviço e Missão militares, do papel da Segurança e da Defesa interna e externa (por exemplo, no quadro do Tratado ou Pacto do Atlântico (Atlético) Norte) e reflete, para um Ministro, uma incompreensível e criticável confusão entre serviço cívico ou serviço público e Serviço Militar.
Por outro lado, esta absurda proposta ou ideia vai mais longe do que a transformação das Forças Armadas em colónias penais (logo agora que Marcelo Rebelo de Sousa se deslocou ao Tarrafal, em Cabo-verde) ou em penitenciárias para menores; ou colocar jovens com problemas judiciais e de delinquência (sejam eles que tipo de crimes forem) junto a armamento de guerra. Por alguma razão cidadãos com historial de delinquência e distúrbios de personalidade não podem ingressar nas Forças Armadas, existindo, inclusive, testes psicotécnicos e psicológicos que barram a entrada destas pessoas no Serviço Militar.
E vai mais longe porque há um outro lado da medalha. Nuno de Melo coloca também em causa, de forma leviana e sem qualquer fundamento concreto e apresentado, as respostas sociais que o Estado e as Instituições privadas dão, com profissionalismo, com conhecimento e valor técnico e científico, ao classificar, de forma abominável, as Instituições, os seus profissionais e o papel que desempenham na reabilitação social dos jovens delinquentes como “escolas do crime para a vida”, “sem quaisquer condições”.
Curiosamente, sobre a questão social não se ouviu uma palavra da Ministra do Trabalho e Solidariedade, Maria do Rosário, ou a sempre tão prestável Ministra da Juventude (esse ministério criado no vácuo e para o vácuo), Margarida Balseiro.
De facto… quando não se sabe, inventa-se. Neste caso, mal.