Do cinismo democrático à (in)Governabilidade
Publicado na edição de hoje, 1 de abril, do Diário de Aveiro (página 12)
Arrancou com o pé esquerdo e da forma mais caricata a Legislativas 2024-2028 e que integra, também, a gestão governativa do país pelo 24.º Governo Constitucional.
1. Quanto ao surrealismo político que marcou o arranque do mandato Parlamentar, o que deveria ser um momento com dignidade e elevação, foi transformado num circo, pelos suspeitos do costume, onde não faltou um inqualificável desrespeito pela Casa da Democracia, pelos portugueses e pelos eleitores, ao ponto de haver Deputados que se deram ao trabalho de brincar com o momento solene da eleição da Presidência da Assembleia da República anulando os seus votos (7) com desenhos e inscrições, quais criancinhas de escola primária.
Este será o espelho dos inconsequentes “votos de protesto” e do que nos estará reservado no que diz respeito à consolidação da democracia, ao desenvolvimento do país e à valorização dos problemas e preocupações dos portugueses.
Ultrapassando toda a bagunçada criada à direita, esquecendo, até, a ingenuidade político-partidária com que o PSD tratou o processo, acabou por ser o PS o “adulto na sala” e a encontrar uma solução (após dois momentos eleitorais ganhos por Francisco Assis, diga-se, numa candidatura apresentada apenas após o PSD ter avançado que não recandidatava Aguiar-Branco) que, não sendo inédita no quadro parlamentar, marca um posicionamento político evidente: é e será o PS a balança do equilíbrio e a referência na oposição.
Mesmo assim, com toda a pressão e chantagem que o Chega colocou no PSD, o cinismo da política veio à tona, com todos os riscos que isso representa para a democracia e para a governabilidade. Algo que até o Iniciativa Liberal percebeu, demarcando-se claramente no momento do voto. Não é justificável, aliás, é criticável, o sentido de voto do PSD na eleição da vice-presidência proposta pela extrema-direita neofascista (a mais baixa de todos e perto do limite: apenas os votos da AD e do Chega, ao contrário de todos os outros muito mais consensuais e alargados). E estas faturas, em termos políticos e democráticos, pagam-se caro no futuro.
2. Mais do que as figuras ministeriais, será o programa, a estratégia e a dinâmica do Governo que importa avaliar a seu tempo. No entanto, há algumas notas que podem ser já produzidas perante o quadro do XXIV Governo Constitucional.
A primeira nota vai para a criação vácua do Ministério da Juventude que mais não é do que um favor partidário já que as questões da juventude se diluem pelas competências de outros ministérios, como Educação e Ensino Superior, Trabalho, Segurança Social, etc. Vai ser um vazio total.
Depois, a criação de um superministério que junta Educação com Ensino Superior, que são, sem qualquer desprimor por uma das partes, realidades que exigem respostas distintas, deixa muitas dúvidas (demasiadas) quanto à sua eficácia governativa.
Por último, a inexplicável ausência de um Ministério que faça a gestão da maior riqueza que Portugal tem e que, legislatura em legislatura, é, cada vez mais esquecido: o Mar, seja do ponto de vista turístico, ambiental, económico-social, científico e militar/segurança. É incompreensível o que fazemos ao que de mais valor temos (uma das 5 ou 6 maiores riquezas do mundo) para produção de riqueza.
Finalmente, num país marcado pelos desequilíbrios geográficos espera-se que o Ministério da Coesão consiga marcar pela eficácia e pela concretização de uma política de coesão nacional, seja pela regionalização, pela valorização do papel das autarquias ou pela eficaz aplicação dos Fundos.