Do “golpe” ao “embuste”… perde o dever e a ética política
publicado na edição de hoje, 22 de abril, do Diário de Aveiro (página 6)
Por mais argumentos que se queiram atirar para a fogueira da discussão, a verdade é que a democracia e a política sofreram um golpe palaciano em novembro de 2023 e um engodo eleitoralista que não culminou a 10 de março de 2024, bem pelo contrário.
1. O Ministério Público emite um comunicado sobre um processo de investigação. Na sequência demite-se o Ministro das Infraestruturas, após quatro anos consecutivos de escutas, vasculhada a sua vida pessoal e governativa. Há, ainda, um Presidente de Câmara preso durante 6 dias, para ser libertado sem qualquer acusação. Nesse comunicado há um parágrafo diretamente dirigido à credibilidade e honestidade do então Primeiro-ministro. Parágrafo esse surgido após reunião entre Presidente da República e Procuradora-Geral da República. Deste contexto, após audiência com o Presidente da República, perante a pressão do que foi tornado público e do impacto político que representou, mesmo com a afirmação de inocência proferida, demite-se o então Primeiro-Ministro.
Criada a crise política, o Presidente da República opta, sem que a isso fosse obrigado (ou fosse o último recurso), pela dissolução da Assembleia da República. A menos de dois anos de mandato legislativo, o país vai a votos a 10 de março.
Vem agora a público toda a fragilidade da investigação, a inconsistência dos indícios, a ausência de provas factuais, são arrasadas as suspeitas que, alegadamente, recaíam sobre o Primeiro-Ministro, e é afirmado que o ex-Ministro agiu apenas no legítimo interesse do país. Nem Procuradora-Geral da República, nem Presidente da República explicaram de forma cabal e justificável e, muito menos, assumiram qualquer responsabilidade.
Ao processo deram o esbelto nome de influencer. De facto... uma influência da justiça na política, o quebrar inaceitável da separação de poderes que sustenta um Estado de Direito.
Ainda esta sexta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que “houve um processo que ninguém esperava nem imaginava e um sonho antigo da direita portuguesa, desde 2016”, ou seja, uma “vingança política. Sim... FOI GOLPE.
2. Não mentir não é a única forma de não dizer a verdade. A omissão, o encobrimento dos factos, a não transparência ou a falta de clareza (a ambiguidade) configura na falta de verdade.
As expetativas criadas na campanha, no próprio programa do Governo, a ilusão gerada em torno do “choque fiscal” não é uma questão de má interpretação da comunicação social, da oposição, dos portugueses. Foi um spin eleitoralista, marcadamente populista e demagogo. Conhecida a decisão do Conselho de Ministros, até esta, contraria e deturpa o próprio programa da AD e do Governo. Para além da inclusão, agora mais que descoberta, da medida do PS já em vigor no Orçamento do Estado, de 1,3 milhões de euros, o período temporal do alívio fiscal de 3 mil milhões de euros, que terminava em 2026, foi alargado, no final da semana passada, para o ano de 2028. Resultado: o impacto do choque fiscal do Governo só tem efeitos significativos acima de salários de 2 mil euros brutos mensais, bem longe da média da massa salarial dos portugueses. O resto fixa-se nuns colossais cerca de 4 euros por mês.
Assim como se afigura claro que a urgência eleitoral da resolução das pretensões dos professores, dos médios e das forças de segurança foi empurrada para 2025, porque foi mais fácil à AD a ilusão do prometer tudo a todos sem responsabilidade e sustentabilidade, com base num plano macroeconómico que, esse sim, já se sabia impraticável. Sim… FOI EMBUSTE.
Cheira a um regresso a um passado recente, “troikano”, de má memória. Sem ética e responsabilidade políticas.