Do Portugal (infantil) real...
Já aqui falei sobre o que entendo serem os perigos da retórica política ao usarem (os partidos, nomeadamente PSD e PS), como arma eleitoralistas, os dados do desemprego/emprego (embora o assunto não pareça minimamente esgotado, antes pelo contrário). Assim como acho que os programas eleitorais, acrescidos das mil e uma promessas, têm trazido muito pouco de novo ao debate político e ao esclarecimento dos cidadãos eleitores. Mais à esquerda são os discursos de sempre, louve-se a coerência ideológica mesmo que surrealista ou irrealista; mais ao centro e à direita falta o "mea culpa" pelos erros cometidos, o assumir das responsabilidades, a apresentação de dados, planos e acções concretas e quantificadas (sejam de que tipologia forem) das propostas apresentadas e que são mais que óbvias para o comum dos mortais (a consciência crítica, por mais que ainda haja caminho a percorrer, é mais acentuada e mais atenta do que era há uns bons anos).
Qualquer cidadão minimamente interessado e preocupado com a sociedade e o país sabe que é demasiado importante diminuir a diferenciação social e estabilizar a conflitualidade social, com a promoção de emprego, do desenvolvimento económico, com uma resposta eficaz para a diminuição sentida na economia doméstica e familiar, com salários justos e equilibrados, com respostas sociais do Estado eficazes e eficientes na saúde, na educação e na justiça (por exemplo); equilibrar as contas públicas e aumentar a confiança externa; promover a produtividade quer interna, quer externa; dignificar a ética política e a gestão do que é público; potencializar toda a mais-valia que o sector marítimo pode proporcionar. No essencial, as prioridades, com mais ou menos "floreado ideológico", são transversais ao CDS, PSD e PS. A diferença está na forma, na concretização, nas medidas e políticas a serem aplicadas... no fundo: a diferença reside no pormenor, no realismo, no reconhecimento do que é a vida e o dia-a-dia de cada português.
E essa avaliação, essa noção, da realidade e do realismo, esse "olhar" político, bem longe do demagógico, é que urge ser feita, correndo-se o risco, caso contrário, de continuarmos a ter política (e partidos) sem ser com os pés bem assentes na terra e longe do Portugal real e profundo.
E não é preciso grande esforço. Os dados são recentes, mas espelham uma realidade, infelizmente, repetitiva... demasiado repetitiva.
Segundo um relatório recente da OCDE (maio de 2015), "(...) o fosso entre ricos e pobres diminuiu mas Portugal continua entre os países mais desiguais e com maiores níveis de pobreza consolidada. (...) Portugal surge como o nono país mais desigual (0,388 - valor referenciado no coeficiente Gini) entre os 34 da OCDE, acima do índice médio destes países, que é de 0,315".
Um artigo de opinião (com toda a subjectividade da legitimidade da liberdade de expressão e opinião) publicado no Público de 9 de junho passado e assinado, colectivamente, por um grupo de membros do núcleo do "Manifesto para um Mundo Melhor (Manifesto Internacional de Cientistas Sociais), tem, a propósito do referido relatório da OCDE, esta expressão "nunca houve tantos recursos no mundo. Como permitimos que tantas crianças continuem a crescer na pobreza? (...) As assimetrias profundas em que crescem as crianças e jovens, uma parte significativa delas sem acesso a condições consideradas básicas, colocam em causa os direitos humanos e o desenvolvimento, tanto pessoal como social".
Ainda a este propósito da pobreza e a fatalidade social da obrigatoriedade do cumprimento do programa de ajustamento a que Portugal esteve sujeito nestes últimos anos, o Expresso de 5 de junho de 2015, sob o título "Pobreza aumentou para níveis do início do século", relata a opinião do professor universitário do ISEG, Carlos Farinha Rodrigues: o período de ajustamento das contas públicas e do programa da Troika traduziu-se "num recuo dos principais indicadores sociais. Entre 2009 (último ano pré-crise e pré-medidas de austeridade) e 2013 (último ano de que dispomos dados do INE), a taxa de pobreza aumentou de 17,9% para 19,5%. Este valor reconduz-nos aos níveis de pobreza registados no início do século".
Mas se os os dados sobre a pobreza, distribuição de rendimentos, desigualdades e prestações sociais reflectem o agravamento da pobreza e das desigualdades sociais, bastava um olhar atento à realidade para percebermos o que se passa, verdadeiramente, com o país. Uma notícia como esta ("Cantinas escolares abertas nas férias"), apesar de louvável do ponto de vista da iniciativa, só serve como lamento e tristeza pela contestação da realidade: há crianças que não fazem duas refeições diárias. Mal vai um país que precisa de manter abertas as cantinas escolares em período de férias.