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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Dos que partiram, que ainda partem e dos que chegam

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(crédito da foto: jornal Mundo Português - arquivo)

Mais do que a justiça histórica e cultural de se assinalar, hoje, 10 de junho de 2024, o falecimento do poeta e dramaturgo Luís de Camões, há 46 anos que este Feriado Nacional é, também, o Dia de Portugal e das Comunidades Portuguesas.

É, por isso, inevitável não falarmos, hoje, dos nossos Emigrantes (imigrantes/estrangeiros num outro qualquer local do mundo) e de Migração.

Concluído, ontem, o processo eleitoral para o Parlamento Europeu (à data e hora da elaboração do texto ainda decorria o período de reflexão), não deixa de ser relevante esta coincidente relação entre a União Europeia e os fluxos da nossa emigração e a importância que tem, hoje, um dos pilares e valores da sua essência: a livre circulação de pessoas (e bens). Já lá vão, felizmente, os tempos do “passar a salto” (e dos “passadores”) para França, Luxemburgo, Suíça e Alemanha, independentemente de se saber que “por esses mares - outrora – nunca dantes navegados”, em qualquer dos quatro cantos do Mundo existe uma voz e um rosto português ou um descendente luso, nomeadamente (pela importância migratória) no Brasil (já lá vai o tempo da Venezuela), Estados Unidos, Canadá ou Inglaterra. Mesmo que o objetivo de melhorar a condição de vida, de procurar novas oportunidades financeiras, profissionais e académicas possa balizar, ontem e hoje, o fluxo emigratório português, a verdade é que as condições de acessibilidade, mobilidade e fixação não são comparáveis desde a adesão de Portugal à União Europeia, em 1985.

De facto, hoje, é, também, o Dia de Portugal e das Comunidades, duma história que é, igualmente, uma história daqueles que partiram e que continuam a partir. Mas a nossa história, como a de muitos povos, é feita, também, daqueles que chegam, que nos escolhem e da forma como sabemos e queremos acolher.

Infelizmente, à laia de um claro e manifesto objetivo eleitoralista para conquistar votos à extrema-direita, o Governo decidiu aprovar um Plano de Ação para a Imigração que, não respondendo aos desafios, nem às difíceis exigências da realidade migratória, cria, aliás, uma injustificável blindagem e dificuldade a quem procura no nosso país, e abre caminho para o agravar da desumana e condenável rede de tráfico de pessoas. Além disso, colocando, mais uma vez, de lado e na gaveta a génese humanista e social-democrata que orientou os princípios fundadores do PSD, o Plano levanta fundamentadas críticas e questões de supremacia racial (tipologia de imigrantes em função da sua condição social, económica e profissional), diferenciação entre povos/nacionalidades (CPLP e os “outros”) ou culturas e credos (xenofobia/racismo).

O Plano cria muros em relação àqueles que fogem da guerra, da fome, dos impactos gravíssimos das alterações climáticas, à procura de uma terra onde possam trabalhar, viver, sobreviver e trabalhar. Ninguém consegue perceber que alguém que “foge” de uma bala, de uma perseguição, da exploração ou da fome tenha tempo e disponibilidade para procedimentos burocráticos complexos.

Num país que tem, internamente, uma enorme dificuldade em fixar competências, habilitações, formação e conhecimento (seja eles jovens ou não), ninguém percebe que um dos objetivos e metas do Plano seja a procura de imigração “qualificada” (lá está a questão da seriação entre “imigrantes de bem” e os outros) quando é conhecida a dificuldade de mão-de-obra em setores da economia portuguesa onde essa exigência não é condição principal.

Portugal não tem imigrantes a mais (apenas 10% da população, recordando o texto da semana passada). O que Portugal tem é um problema com os processos e procedimentos de acolhimento e com as respostas que o Estado não dá a quem queremos acolher e a quem nos procura. O problema não está nos Imigrantes. Está em nós, enquanto estado, povo e sociedade.

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Publicado na edição de hoje, 10 de junho, do Diario de Aveiro (página 16)