E depois do Adeus...
quando a história não deve, nem nunca pode ser travada.
Volvidos mais de 47 anos, a caminho do meio século, do 25 de Abril de 74 - passado mais tempo do que o próprio Estado Novo (41 anos - 1933 | 1974) - é mais que tempo suficiente para os que portugueses olhem para a sua História com o distanciamento necessário para que os acontecimentos que marcaram o destino e mudaram o rumo do país tenham o seu merecido lugar e a sua verdadeira importância.
Segundo o activista monárquico brasileiro (valha o que valer a "ideologia de Estado") Bertrand de Orléans e Bragança, «quem não sabe de onde vem, não sabe para onde vai».
Contextualizando a afirmação, não reconhecer o papel da nossa História, ou querer negar/amputar partes da sua dinâmica e existência, é menosprezar o nosso presente e condenar o nosso futuro.
O 25 de Abril não é de direita ou de esquerda... é de todos os portugueses.
O 25 de Abril não é, em si mesmo, o "grito da liberdade". Foi um manifesto e corajoso golpe militar, sustentado na revolta em relação às injustiças que a guerra colonial provocava na estrutura oficial militar.
O 25 de Abril foi, sem qualquer margem de dúvida, a posteriori, a porta de abertura para a liberdade, para a conquista da democracia (a 25 de novembro de 1975), derrubado o regime ditatorial do Salazarismo.
A politização do 25 de Abril surgiu, assente a surpresa e a euforia das primeiras horas dessa quinta-feira, na divergência e afirmação ideológica de partidos políticos organizados (como o PCP) e dos que viriam a "luz do sol" nesses primeiros meses.
Pelo meio, o país. envolto numa incerteza de rumo e de acções inerentes aos primeiros passos de uma liberdade e democracia amordaçadas durante 41 anos, viveu momentos marcantes sob a égide do MFA e dos Conselhos de Revolução; da libertação dos presos políticos; do regresso, a Portugal, dos exilados políticos; do primeiro 1.º de Maio e dos primeiros movimentos sindicais; das primeiras eleições livres (legislativas e presidenciais) e das primeiras eleições autárquicas (implementação do Poder Local) em 900 anos de história da nação; do COPCON; do PREC (com o virtuosismo dos processos de alfabetização, de cidadania, de colectivismo e associativismo, de desenvolvimento comunitário e territorial); do infortúnio das nacionalizações cegas; da Reforma Agrária; do Verão Quente de 75 (com as FP25, a FAP, o CMLP, a LUAR, o MDPL e a ELP, como exemplos); do movimento do Grupo dos Nove... culminando, felizmente, com o contra-golpe a 25 de novembro de 1975 e a implementação da democracia, tal como a conhecemos hoje.
Neste contexto revolto em águas agitadas da política e da sociedade, que marcaram os primeiros passos da democracia e liberdade em Portugal, não há isentos de responsabilidade, de erros de estratégia e acção. Seja de que lado for do chamado (à data) quadrante/paralelo "Equador de Rio Maior", que dividia o país em dois: a norte o liberalismo democrático e a sul o marxismo-leninismo.
E tudo isto tem um rosto e um nome, falecido há 2 dias e agora sepultado, sem as merecidas honras de Estado (diga-se, em abono da verdade e sem qualquer constrangimento ideológico).
Se Salgueiro Maia foi a face visível e operacional da Revolução... o seu arquitecto, o timoneiro e comandante foi o capitão (coronel) Otelo Saraiva de Carvalho.
Venham os argumentos que quiserem, eventualmente válidos alguns, suspeitos e duvidosos outros, sobre o percurso político de Otelo, no pós 25 de Abril: a sua radicalização após a viagem a Cuba, o COPCON, as FP25, o 25 de Novembro, as eleições presidenciais falhadas (em 1976 com 16% e em 1980 com 1,49%, ambas elegeram Ramalho Eanes), o seu percurso político fortemente solitário.
Mas a verdade da História e os factos são apenas UM: não fora Otelo Saraiva de Carvalho, Estratega e Comandante no Posto de Operações do MFA entre 24 e 25 de abril de 1974 e, hoje, a História de Portugal não teria sido a mesma, com as óbvias diferenças para o que podemos viver, em liberdade e democraticamente, em cada dia-a-dia. Teria sido melhor? teria sido pior? É igual... teria sido, garantidamente, diferente.
E hoje, só temos que dizer, como o merecido respeito e reconhecimento: OBRIGADO, capitão Otelo.
R.I.P.