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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

E quem salva a Europa?

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de ontem, 22 de julho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
E quem salva a Europa?

Apesar de já ter sido alcançado, ao fim de seis meses de negociações, o acordo que celebra os fundamentos do terceiro resgate grego, toda a agenda e as atenções ainda gravitam em torno do processo.

Não só porque persistem dúvidas quanto à capacidade de cumprimento do programa de assistência, não só porque persistem ainda mais dúvidas quanto à eficácia e impacto das medidas na recuperação financeira e económica da Grécia, não só porque há muito poucas certezas quanto à capacidade dos gregos superarem todo o impacto económico, político e social, da austeridade que aí vem. Mas também porque são evidentes os danos colaterais da crise grega.

É certo que os mercados reagiram positivamente ao acordo celebrado, mas com tanta incerteza quanto ao seu sucesso permanece também a incerteza quanto à confiança dos mercados.

Mais… sendo certo que a principal e exclusiva preocupação centrou-se na vertente económico-financeira, é mais que notório que o impacto maior de todo este processo, e mesmo no seu desfecho final, foi sentido a nível político, não apenas no seio da Grécia (demissões e remodelações governamentais, divergências partidárias, contestação social, entre outros) mas, simultaneamente, no sei da própria União Europeia.

Se dúvidas restavam, todo este processo e o seu desfecho mostrou claramente ao que veio e para onde vai esta Europa.

O poder financeiro das relações entre os Estados-membro veio desvendar uma União Europeia exclusivamente focada nos números e na moeda, sem qualquer rasgo de sentido político e social. Não apenas pela forma como conduziu e selou o acordo final. Isso será a menor parte e terá sempre leituras distintas e diversificadas. O que foi revelado foi uma União Europeia longe das ideologias, longe dos cidadãos (daí que não seja de espantar o constante aumento da abstenção eleitoral), da política e da essência da sua formação e constituição (muito próximos dos valores republicanos da Revolução Francesa): solidariedade (fraternidade) entre os povos, união (igualdade) e respeito pela soberania (liberdade). E os sinais da degradação e decadência europeias estão bem presentes nos mais recentes acontecimentos: a pressão financeira exercida sobre a Grécia e a corrente que viabilizaria uma saída grega da zona euro; o aumento dos eurocépticos e das tendências dos referendos para a saída da UE (veja-se o caso das recentes sondagens no Reino Unido que irá a referendo no próximo ano); o aumento da expressão popular contra eventuais adesões à União Europeia de países europeus que não fazem parte da comunidade (Noruega, Islândia, Liechtenstein e Suíça); as posições tomadas contra a Rússia apenas pelos interesses económicos sustentados no gás; a falta de resposta social e humanitária à migração no mediterrâneo; a incapacidade de lidar com o processo turco. Mas principalmente duas realidades bem recentes: ao mesmo tempo que a Europa se insurge contra a migração clandestina que atravessa (quando o consegue) o Mediterrâneo e protesta veemente contra as mortes provocadas pela guerra civil na Ucrânia, é a mesma Europa que fecha os olhos, não demonstra um pingo de vergonha, não assume qualquer posição contra a construção do muro anti-migração na Hungria (Estado-membro desde 2004); a União Europeia que soube celebrar tratados atrás de tratados (Roma, Maastrich, Amesterdão, Nice, Lisboa) pretendendo consolidar os princípios basilares da solidariedade e da unidade alargando a cooperação económica à do domínio político e social, é a mesma União Europeia que pretende agora regressar aos anos de 1951 (CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) tendo como seu protagonista principal o socialista François Hollande. Para o Presidente francês o futuro da Europa sustenta-se na criação de um Governo europeu de elite, claramente suportado pelo poderio económico-financeiro já que seria alicerçado em seis países economicamente mais fortes. Relembre-se que a CECA foi formada tendo como princípio único a relação comercial entre os (também) seis países: Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Holanda (Países Baixos).

E é este o futuro da União Europeia que se afigura para muito do poder europeu instalado: o poder do mais forte sobre o mais fraco, para satisfação do dinheiro. Uma Europa fragmentada, sem sentido e com muitos “muros” entre os seus Estados. A Europa são apenas números, nem valores, nem princípios, nem liberdades, nem pessoas.

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