Entre o sim e o não, não há o "antes pelo contrário".
(crédito da foto: Mário Cruz / LUSA, in SIC online)
Premissa...
Embora discordante das inúmeras, para não dizer quase todas, opções políticas do agora Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, não deixo de lhe reconhecer e respeitar a lucidez, perspicácia, frontalidade, sagacidade e astúcia política. Mesmo nos momentos em que assumiu e vestiu a pele de "trauliteiro político", em defesa das convicções e estratégias partidárias ou governativas.
Aliás, ainda há dias comentava que esta Governo tinha perdido muito do seu peso estratégico-político com a saída de Augusto Santos Silva (fosse no Ministério dos Negócios Estrangeiros ou noutra pasta ministerial). Quando foi preciso (goste-se ou não), principalmente nos momentos de "crise" ou de "pressão", o spin político e a excelente capacidade retórica e de confronto de Augusto Santos Silva foram uma inquestionável mais-valia política e estratégica do Governo. Apesar do interessante trabalho que Ana Catarina Mendes desenvolveu enquanto líder da bancada socialista, na anterior legislatura, não será fácil para a agora Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares assumir, sozinha esse papel, não se vislumbrando no Governo grandes figuras com capacidade política para essa função: não serão, garantidamente, Fernando Medina, José Luís Carneiro ou António Costa Silva. Por outro lado, Mariana Vieira da Silva ou Duarte Cordeiro (o "arquiteto" da conquista da maioria socialista) são, manifestamente, "operários estrategas" que trabalham na sombra ou na retaguarda. Já para não falar na fragilizada imagem e falta de empatia de Pedro Nuno Santos
Mas se o atual Governo perdeu esse peso político, a Assembleia da República ganhou um Presidente. Ou, aliás, renovou a herança da qualidade política dos últimos titulares da função de "Segunda Figura do Estado Português". Lembramo-nos, com todas as particularidades e vicissitudes, de Barbosa de Melo (PSD), Almeida Santos (PS), Mota Amaral (PSD), Jaime Gama (PS), a primeira mulher a ocupar o cargo Assunção Esteves (PSD) e Ferro Rodrigues (PS). E uma das características dessa herança política da função é a de ser o garante da Liberdade, dos fundamentais Direitos, dos Valores Democráticos e Republicanos em que assenta um Estado de Direito.
Há quem sustente que Augusto Santos Silva (tal como o próprio tinha "prometido" na sua tomada de posse/eleição) deveria ser mais comedido e menos conflituoso em relação à Bancada Parlamentar e ao líder do CHEGA. O argumento referenciado, por natura válido, é o de que, com esta confrontação, o Presidente da Assembleia da República está apenas a dar palco mediático, visibilidade e a fazer o jogo estratégico populista de André Ventura e do CHEGA. Tal como aconteceu hoje, na Assembleia da República, durante o debate sobre o projeto legislativo de alteração à Lei da Nacionalidade e que levou a que os eleitos da extrema-direita abandonassem os trabalhos e não regressassem, nesta tarde, ao hemiciclo, nem para discutir e votar propostas que foram, pela própria bancada, agendadas.
Após as deploráveis e condenáveis afirmações do líder do CHEGA sobre a vinda de estrangeiros para Portugal (que me escuso de transcrever para não servir de palco populista a discursos racistas, xenófobos e que atentam contra a dignidade), o Presidente da Assembleia da República interveio para repudiar, naquela que é, por excelência, a "Casa da Democracia e da Liberdade" do país, a intervenção proferida pelo deputado.
E esteve bem, Augusto Santos Silva, sustentado pela aclamação de uma grande maioria dos parlamentares, lamentando-se (e é tão triste registar), a indiferença da bancada do PSD e este atentado da extrema-direita à democracia. Embora não seja de estranhar depois do próprio atual presidente do partido não ter querido, não ter tido a frontalidade e coragem políticas para traçar, publica e inequivocamente, uma verdadeira linha vermelha em relação ao CHEGA - como o demonstrou a fraquinha entrevista de terça-feira à CNN).
Há contextos e situações nos quais a inércia, a indiferença, a ausência de ética e responsabilidade políticas e democráticas, são mais prejudiciais do que os riscos do mediatismo populista ou extremistas. Não pode valer tudo em política e, muito menos, a Liberdade de Expressão e Opinião e a Imunidade Parlamentar se podem sobrepor aos valores fundamentais dos Direitos, Liberdades e Garantias da dignidade, do antirracismo ou da anti-xenofobia.
Há muitos portugueses que, infelizmente, gostam de abraçar esta demagogia podre. Alguns, sedentos e saudosos de um dos passados mais negros da história política e governativa de Portugal.
Mas felizmente que há ainda muitos mais portugueses que se revêm, tal como o Presidente da Assembleia da República, nos valores e nos princípios de um Estado de Direito inclusivo, digno, livre e democrático, já para não falar da memória coletiva do que foi e é, ainda hoje, a presença de tantas e tantos portugueses espalhados pelos quatro cantos do Mundo, acolhidos por uma diversidade significativa de comunidades cultural e socialmente diferentes da nossa.
A eles Portugal e os países que os acolhem devem muito, assim como nós devemos a todos os que nos procuram e batem às portas das nossas fronteiras.