Este país não é para mães
publicado na edição de hoje, 2 de julho, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Este país não é para mães
É do conhecimento público a preocupante situação da demografia portuguesa, nomeadamente no que respeita aos dados da natalidade. Situação que traz consideráveis implicações, pelo menos, ao nível social e económico, ao ponto do próprio Governo ter anunciado em 2013 a constituição de um grupo de trabalho para avaliação do impacto da crise demográfica no país.
Só que esta preocupante realidade não passa só por questões culturais/sociais, económicas (face à crise e ao seu impacto nas finanças das famílias), o desemprego, o custo de vida, etc. Recentemente foi introduzido no debate público um novo dado que merece especial atenção e referência. O atropelo à Constituição e à Lei do Trabalho, mais ainda, uma grave violação aos direitos fundamentais da mulher. A notícia surgiu a público pela RTP/Antena 1 e dava conta que em Portugal há empresas que estão a obrigar as mulheres a assinarem declarações em que se comprometem a não engravidar nos próximos cinco anos.
A denúncia foi feita pelo professor da Universidade Católica do Porto, Joaquim Azevedo, aos microfones da Antena 1 numa entrevista conduzida pela jornalista Rita Colaço. Curiosamente Joaquim Azevedo foi a personalidade escolhida pelo Governo para liderar a equipa que irá traçar um plano para o combate à crise demográfica, concretamente de incentivo à natalidade, após os alertas deixados pro vários estudos que apontam para uma insustentabilidade social do país se nada for feito nos próximos 50 anos.
Há diversos dados divulgados com impactos significativos e preocupantes: em 2013 Portugal “perdeu” cerca de 60 mil pessoas; em 30 anos Portugal teve um défice de cerca de um milhão de crianças; estudos apontam para que daqui a cerca de quarenta anos Portugal pode ver a sua população reduzida quase para metade (cerca de 6 milhões de habitantes).
Têm vindo a público alguns estudos, algumas propostas, mesmo que avulsas, para combater esta realidade. Por exemplo, a nível parlamentar têm surgido propostas de alteração dos regimes laborais que permitam um maior cuidado na defesa da natalidade: revisão dos apoios sociais, da subsidiação da licença de maternidade e paternidade, revisão do abono de família, entre outros.
Mas no caso concreto, se por si só, a denúncia pública desta realidade é preocupante e revoltante só pelo facto de contemplar uma gravíssima violação dos direitos constitucionais, da mulher, da família e das leis laborais, também importa destacar que não será menos revoltante a falta de consequência prática da revelação feita.
Primeiro, porque demonstra uma incapacidade fiscalizadora por parte das entidades competentes e um incompreensível alheamento do poder político face à realidade denunciada. Segundo, porque infelizmente, como em muitas outras circunstâncias da vida (por exemplo, violação, violência doméstica, …), não é fácil à vítima denunciar as situações, por inúmeras razões óbvias e compreensíveis (que mais não seja pelo próprio estado da nossa justiça). Assim, não se percebe que uma denúncia desta natureza e com esta gravidade, e logo pela voz de quem assumiu a responsabilidade de promover a natalidade, não seja acompanhada da referência dos nomes das empresas que violaram as leis laborais e os direitos fundamentais. Sem nomes, sem factos concretos, por mais verdade que sejam, qualquer denúncia perde a sua credibilidade e tudo continua na mesma.
Não basta ao Governo anunciar intenções de alterar as leis, promover mais emprego, quando não é capaz de contrariar, legislativa e judicialmente, a selva em que se tornou o mercado laboral nesta era da Troika, onde tudo vale, tudo é permitido, sujeitando o cidadão a qualquer realidade para poder sobreviver.
Assim como é importante a mudança cultural empresarial nesta área social e de garantia do futuro da própria economia. Sem trabalhadores e sem futuro as próprias empresas não sobreviverão.