Falta cumprir Abril? Não. Abril cumpriu-se.
Publicado na edição de hoje, 29 de abril, do Diário de Aveiro (página 10 )
Por variadas vezes, nomeadamente no contexto da celebração destes 50 anos do 25 de Abril de 74, ouvimos, repetidamente: “cumprir Abril” ou “falta cumprir Abril”. Noutro sentido, é comum ouvirmos o apelo “Abril Sempre!”. Prefiro, e hoje mais que nunca: Abril SEMPRE!”.
Abril cumpriu-se há 50 anos. Cumpriu-se no falhanço da “Revolta das Caldas” a 16 de março de 1974, cumpriu-se na coragem dos Capitães de Abril protagonizada no Golpe Militar e na queda do regime ditatorial e fascista na madrugada de 25 de Abril de 1974. Cumpriu-se na consequente Revolução dos Cravos que alimentou e solidificou o processo político, garantindo a solidez da Liberdade e da Democracia conquistadas e oferecidas ao Povo pelos militares. Cumpriu-se com o PREC, com o Verão Quente de 75 e com o 25 de Novembro. Cumpriu-se com as Reformas Políticas (Junta de Salvação Nacional, MFA, Conselho da Revolução, Constituição da República Portuguesa, Assembleias Constituintes e Legislativas, primeiros Governos Constitucionais, Poder Local… o Estado de Direito Democrático) e cumpriu-se nas Reformas Sociais implementadas e vividas no pós-revolução (alfabetização, igualdade, liberdade, garantia dos direitos fundamentais, o VOTO representativo, igualitário e livre, saúde, trabalho, educação… Estado Social).
Abril cumpriu-se na revolta militar contra a Guerra Colonial. Cumpriu-se quando “o Povo saiu à rua num dia assim”, dando expressão política, social e libertária à resistência de tantos que foram amordaçados, agrilhoados, perseguidos, exilados ou mortos, de tantos que resistiram e lutaram, de tantos que na sujeição da subsistência pessoal e familiar viveram sufocados pela pressão do regime (apesar de “no regime”), de tantos que retornaram.
Abril cumpriu-se na Democratização, no Desenvolvimento e na Descolonização, na devolução da legítima soberania aos povos que a nossa história subjugou e explorou, e pela qual nos devemos penitenciar.
O que falta cumprir? Nada. Falta é manter vivos os princípios e os valores de Abril. Manter “Abril Sempre!”, principalmente hoje percorridos 50 anos de liberdade e democracia.
Quando, em plena comemoração dos 50 anos de Abril, há quem apenas queira reescrever a história por um mero interesse ideológico, querendo esvaziar um (se não o) dos marcos mais excelsos da nossa história secular. Curiosamente, aqueles (mesmo à direita: PSD e CDS) que são, hoje, fruto do processo de democratização desse 25 de Abril. Curiosamente, aqueles que, hipocritamente, usam o 25 de Novembro apenas como contraponto propagandista quando, à data, nem sequer ousaram ter a coragem e a prontidão suficientes para sair à rua e participar, com Mário Soares e o PS, no processo da contrarrevolução e solidificação da democracia. Curiosamente aqueles que, falsamente, gritam palavras de ordem desconetadas da factualidade histórica e do que foi Abril (nunca Portugal viveu sob o comunismo para o IL andar a gritar “25 de Abril Sempre. Comunismo nunca mais”), conspurcando os valores da democracia.
Principalmente hoje, quando há quem se aproveite da liberdade e da democracia conquistadas para a ferir, despejar e destruir, com saudosismos do passado e o regresso à ditadura e ao fascismo, num claro retrocesso civilizacional, político e social.
Nestes 50 anos, em que importa viver e fortalecer Abril, convém lembrar um dos ícones de Abril, Salgueiro Maia: “Não se preocupem com o local onde sepultar o meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que ajudei a construir”. Obrigado aos Capitães de Abril, principalmente, com orgulho familiar, ao Capitão Sousa e Castro.
Abril cumpriu-se. Importa viver Abril Sempre!