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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Governar a prazo

XX governo - tomada de posse.jpgpublicado na edição de hoje, 1 de novembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Governar a prazo

Não são novidade, nos últimos anos, os discursos e as concepções sobre precariedade flexibilidade laboral, face ao que é o panorama e a actual realidade do emprego e do desemprego. É um contexto económico e social que atinge as pessoas, as famílias, as empresas, o Estado, a sociedade e a economia. Mas é também, por força da conjuntura presente, uma realidade política que atingiu o Governo ou, se quisermos, a governabilidade do país.

Cavaco Silva esteve bem ao indigitar Passos Coelho como Primeiro-ministro e responsabilizá-lo pela formação de um governo. Esteve igualmente bem ao dar posse, nesta sexta-feira, ao XX Governo Constitucional. Ao contrário do que muitos afirmaram não foi um acto inconsequente ou uma mera perda de tempo. Foi o legítimo exercício das suas funções, do seu papel como Presidente da República e o cumprimento (tantas vezes criticado) da formalidade legal da Constituição. Mas foi também uma clara leitura política da legitimidade democrática e do espírito constitucional da governação em minoria, pela exigência de compromissos, pela pluralidade programática e partidária.

Não é, neste momento e nas circunstâncias que o país vive, o desenho do XX Governo Constitucional que mais importa analisar. Há uma dualidade analítica óbvia: a afirmação na continuidade em áreas que Passos Coelho entende serem o reflexo das anunciadas melhorias do país (finanças, segurança social, por exemplo) e áreas em que o desempenho governativo foi positivo e relativamente pacífico (como na Agricultura, no Ambiente, nos Negócios Estrangeiros, na Defesa e na Administração Interna), e há a natural substituição ministerial em pastas que, por natureza e, já agora, por tradição, têm um desgaste político muito significativo como é (e foi) a Educação, a Justiça, a Economia e a Saúde. Haverá alguma coisa a explicar quanto ao Ministério da Cultura (para além do “prémio” partidário para Teresa Silva Morais) e a notória tentativa de trazer para a agenda a tão protelada e camuflada, como tão urgente, Reforma do Estado com o Ministério da Modernização Administrativa. Mas o maior desafio da Coligação governamental não é, para já, a capacidade de gestão do seu elenco governativo. Primeiro, manter, no espírito de quem votou PàF, a esperança da governabilidade da coligação. Segundo, capitalizar a intenção de voto daqueles que, votando PàF ou PS, o fizeram, a 4 de outubro, na perspectiva de um compromisso político, fosse de que forma fosse, de governação. Terceiro desafio, o mais difícil e, eventualmente, mais improvável: procurar aumentar a dúvida e a incerteza quanto ao sucesso da governação à esquerda (ainda presente em algum sector socialista); quanto à fragilidade e inconsistência dos acordos (para já escondidos) da “nova maioria” de esquerda; bem como da dúvida quanto à legitimidade democrática de uma apropriação indevida da leitura dos resultados de 4 de outubro. Não será fácil e requererá, como é óbvio, muita flexibilidade política, muita celeridade negocial e uma clara imagem pública de afirmação e rigor. Durante esta semana que antecede a ida à Assembleia da República, Passos Coelho terá de tentar uma reaproximação de compromisso a António Costa; terá de explorar os pormenores políticos e programáticos que criam importantes brechas na maioria à esquerda (o Tratado Orçamental e os seus impactos nas contas públicas e na economia nacional; as divergências programáticas entre PS e BE-PCP; as candidaturas separadas às próximas presidenciais; as anunciadas moções de censura que não colheram unanimidade partidária na sua apresentação parlamentar, etc.). Mas o maior desafio para Passos Coelho será perceber-se até que ponto terá a capacidade política para, sem desvirtuar o seu programa político eleitoral e os seus objectivos governamentais, conseguir encostar o PS à parede incorporando (mesmo que isso não resulte de compromisso prévio) no Programa de Governo, que irá apresentar à Assembleia da República, medidas que estiveram na base negocial entre a Coligação e os socialistas. Se o conseguir, conseguirá ultrapassar esta primeira crise política, sendo certo que, pela história, muito dificilmente um governo minoritário durará uma legislatura. Mas também é verdade que as dúvidas de Cavaco Silva são as de muitos milhares de portugueses: a precariedade da governação do PS com o compromisso BE-PCP não durará muito mais tempo, mesmo que haja um XXI Governo Constitucional.