Guterres, “persona Nobel grata”
(crédito da imagem: Banksy Art Gallery 2024)
Nota inicial: há mais “história e estórias”, de décadas e séculos, posteriores a 7 de outubro de 2023, no conflito no Médio oriente. Nada disto surgiu do vácuo.
Ao fim de 12 meses (7 de outubro de 2023 – 2024) é possível olhar para o conflito no Médio Oriente, nomeadamente o que envolve Israel, Palestina e Líbano, sem ser, de forma marcadamente obcecada, a preto e branco? É e é desejável.
É possível condenar o horrendo ataque do Hamas, há precisamente um ano, sem colocar em causa o desejo que a Palestina se liberte e seja reconhecida, de facto, um Estado? É e é desejável.
É possível criticar os atropelos israelitas ao Direito Internacional, os atentados contra os mais elementares Direitos Humanos e à Ajuda Humanitária e os questionáveis objetivos/argumentos de Israel neste conflito (alastrado, recentemente – e mais uma vez – ao Líbano por causa do terrorismo do Hezbollah), sem se ser antijudaico, antissemita ou antissionista (ou todas juntas)? É e é desejável.
Não concordar ou criticar os valores do outro não legitima a imposição, a coação ou a supremacia. A “verdade islâmica” ou a “verdade judaica” não são únicas, não têm legitimidade de imposição e de aniquilação, existem em função de convicções e opções (pessoais, sociais e culturais/históricas), mesmo que condenáveis ou criticáveis. Não há uma única “verdade”.
O ataque das forças do Hamas em território israelita e a barbárie dos crimes cometidos no dia 7 de outubro de 2023 são inaceitáveis, deploráveis e condenáveis, a todos os níveis. A legitimidade de uma resposta por parte de Israel era expectável e justificável. Uma resposta que se esperava proporcional, cirúrgica e nos limites do Direito Internacional. Mas nada disso aconteceu e o conflito degenerou num extermínio inaceitável, numa crise humanitária sem precedentes, numa instabilidade geopolítica regional preocupante e que tende a alastrar-se. Enquanto não cessar o conflito, enquanto não forem libertados territórios indevidamente ocupados, enquanto não for legitimado e fortalecido o poder no Líbano e na Palestina (Cisjordânia), enquanto não for legitimada a coexistência entre judeus e árabes na região, aquela zona e o mundo vão continuar a extremar posições e convicções, a igualar terrorismo (Hamas e Hezbollah) com a Palestina e a sua legítima determinação enquanto nação, ou a justapor a impunidade política, social e religiosa e a sobrevivência no poder de Netanyahu e dos judeus ultraortodoxos (Haredim) à legítima existência territorial, reconhecida (mesmo que “artificialmente”) pelas Nações Unidas em 1948.
Achar o legítimo e desejável reconhecimento da Palestina como Estado como uma solução possível para o conflito (preservando a memória política de Rabin, Arafat e Shimon Peres, há cerca de 30 anos, e a paz quase conquistada em 2006) não significa ser-se contra Israel. Significa apenas o apelo e o desejo de paz e do fim dos massacres.
Ao longo deste atribulado percurso, pelo menos desde a colonização britânica (1920) e da independência de Israel (1948), árabes e judeus têm as suas porções de responsabilidade na instabilidade e na insegurança e nos sucessivos fracassos negociais para um acordo final cuja solução parece passar apenas pelo reconhecimento da Palestina enquanto Estado soberano, por parte de Israel e da comunidade internacional, onde se incluem a União Europeia e Portugal.
E por mais antagonismos que queiramos colocar em cima da mesa, é inegável o papel de António Guterres, com todas as limitações do cargo e da própria Organização, no alcance da paz na região, na defesa dos Direitos Humanos e na possível e desejável coexistência entre os povos, indiscutivelmente merecedor do Nobel da Paz.
Todo o resto é o extremar de duas posições antagónicas, enviesadas nos seus argumentos e (pre)conceitos, quando o mundo e a realidade em concreto não têm que ser vistos a preto e branco.