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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Há cerca de 43.200 minutos a gostar de (não) governar

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Se é um facto que o Presidente da República empossou o XXIV Governo Constitucional no dia 2 de abril e os Secretários de Estado no dia 5 do mesmo mês, a verdade é que podemos tomar como baliza o arranque das funções governativas no dia 12 de abril, data em que terminou, na Assembleia da República, a discussão, apreciação e “aprovação” do Programa do Governo da AD (XXIV Governo Constitucional).
Determinam a Constituição e a legislação ordinária, bem como o Regimento da Assembleia da república, que O programa do Governo determina as principais orientações políticas e medidas dos diversos domínios da governação, devendo o mesmo ser apresentado à Assembleia da República. Esta apresentação do programa não é condição para o início de funções do Governo, mas a sua apreciação parlamentar é condição para que o Governo adquira plenos poderes de gestão do país, e não implica a sua aprovação/votação. No entanto, qualquer grupo parlamentar pode propor uma Moção de Rejeição que, em caso de aprovação, determina a demissão do Governo” (fonte: Assembleia da República).
Ora, tendo sido apresentadas duas Moções de Rejeição, ambas reprovadas (BE - 137 contra (PSD, CH, IL e CDS), 13 a favor (BE, PCP e L) e 78 abstenções (PS e PAN) e PCP - 13 contra (PSD, CH, IL, CDS e PAN), 13 a favor (BE, PCP e L) e 77 abstenções (PS), num universo de 228 deputados), podemos, na prática, afirmar que o Programa do XXIV Governo Constitucional (da nova AD) foi aprovado pela maioria de direita, no dia 12 de abril de 2024.
Posto isto, assinalam-se, hoje, os primeiros 30 dias de governação, ou tentativa de governação.

Considerando a plenitude de uma legislatura, tendemos a concordar com Luís Montenegro quando afirmou, esta semana, que governar é uma prova de fundo, apesar dos riscos patentes do percurso ser interrompido. Mas a verdade é que a governação é uma maratona que requer competência, empenho, trabalho, esforço e dedicação.
Por outro lado, tal como numa prova de fundo, é suposto começarmos a correr desde o “tiro de partida” para que possamos chegar ao fim bem posicionados e com os objetivos cumpridos.
Ora, iniciar uma corrida para lá do seu início, além de significar impreparação e falta de estratégia, obriga a correr atrás dos adversários e opositores e a fazer depender o nosso esforço em função do desempenho dos outros. E é isto que tem sido o espelho do arranque da “prova de fundo governativa” deste (des)Governo da AD que ainda não abandonou a “prova sprint” da campanha eleitoral.

Excluindo uma fútil alteração do logótipo e um incomensurável número de trapalhadas governativas, que vão desde o embaraço político com a eleição do Presidente da Assembleia da República até às polémicas com o IRS e as Contas Públicas (com a tabuada e a aritmética/engenharia financeira erradas), passando pelos “casos e casinhos” da justiça (sim… também os há: primeiro-ministro, ministros, secretários de Estado, assessores, indemnizações “boas” vs indemnizações “más”, etc.) terminando, na sexta-feira, na Assembleia da República, com uma tentativa totalmente gorada, do deputado e ex-bastonário dos Médicos, Miguel Guimarães, de avaliar a Saúde/SNS (num exercício paupérrimo, infeliz e surreal, com dados incorretos e análises erradas) e com a aprovação de uma medida integrante do programa eleitoral do Partido Socialista e que não constava, sequer, do Programa do Governo ou das cerca de 60 medidas que o Governo se apropriou, unilateralmente, dos programas da oposição: a exclusão dos rendimentos dos filhos para o cálculo do Complemento Solidário para os Idosos (CSI). Paradoxalmente, uma medida aprovada (Conselho de Ministros de 9 de maio) por um Governo que, nas medidas que apresentou para reavaliação do IRS, não permite aos jovens recuperarem o valor das suas propinas se o IRS for entregue em conjunto com o dos seus pais.

Pelo meio, nestes 43.200 minutos de governação, assinala-se:
propostas de redução da taxa de IRS a quem está isento, para além do maior benefício nos escalões mais elevados;
as barafundas com o Serviço Militar Obrigatório ou a ideia do Serviço Cívico para pequenos delitos nas Forças Armadas;
a afirmação do Ministro da Educação que o número de alunos sem professores são, em muitos casos, situações pontuais de baixa médica dos docentes;
os dados da Administração Central do Sistema de Saúde, do Ministério da Saúde, que revelam que, nos últimos 5 anos, o SNS conseguiu reter 86% dos médicos recém-formados e vincular 82% de médicos de família contratados;
as trapalhadas da Ministra da Saúde com o pedido de Planos já elaborados e publicamente apresentados (não esquecendo que restam, apenas, mais 30 dias para os 60 que o Governo prometeu concretizar o Plano de Emergência para o SNS, mesmo que as Ordens Profissionais da Saúde tenham escrito ao Primeiro-ministro a defenderem que a reforma do SNS, iniciada na anterior legislatura, se mantenha e seja cumprida);
o anúncio que a ministra da Justiça, Rita Júdice, irá apresentar uma nova estratégia contra a corrupção, quando, há bem pouco tempo, em novembro de 2021 (apenas há cerca de 2 anos) foi aproado o denominado “Pacote Anticorrupção” acordado e delineado com o PSD. Esta estratégia será para benefício de quem ou do quê?;
o desmentido da Comissária Europeia em relação à afirmação de Luís Montenegro criticando os atrasos na execução do PRR, o que se afigura como falso;
o agradecimento da Comissão Política Concelhia do PSD de Viana do Castelo ao PS pela abolição das portagens nas ex-scut e a crítica aos deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral de Viana do Castelo por votarem contra a proposta (tal como a deputada do PSD eleita por Castelo Branco, Liliana Reis, que votou contra a abolição das portagens, contrariando tudo o que defendeu para o interior durante a campanha eleitoral);
a ministra do Trabalho que acha que a melhor forma de combater a precariedade laboral é facilitar e liberalizar os despedimentos, num completo desrespeito por quem trabalha e num claro confronto com a Agenda para o Trabalho Digno em vigor;
a opção política de favorecer as grandes empresas (2% do universo empresarial em Portugal) com a redução do IRC como se isso fosse resultar em maior investimento ou melhores salários (resulta em maiores dividendos, apenas);
ou, por fim, todas as polémicas e controvérsias com as demissões, nomeadamente na Saúde, Forças de Segurança e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que, mais do que meros e legítimos procedimentos por conveniência de políticas e de serviço/função, são o branqueamento de um condenável “saneamento político”.
Por último, o Programa Habitação deste Governo. Do anúncio eleitoralista da revogação do Programa Mais Habitação – o que, por si só, já seria demasiado grave – à apresentação de um Programa que é um mero conjunto de intenções, sem medidas concretas e orçamentalmente mensuráveis ou quantificadas, uma mão cheia de nada, mesmo assim baseado em vários contextos aprovados da legislatura anterior e em vigor (nomeadamente o esforço e o empenho que os Municípios têm desempenhado na concretização do 1.º Direito, como, por exemplo, S. João da Madeira que, em cerca de 4 ou 5 anos, entre a sua Estratégia Local de Habitação, 1.º Direito e PRR apresenta um envelope de investimento na habitação – habitação social ou a custos controlados, nova habitação, arrendamento e reabilitação do espaço público urbano – de perto de 40 milhões de euros). Para além de medidas criticáveis e questionáveis, até por vários protagonistas do setor (cada um puxando a brasa á sua sardinha), que são mais propensas à agudização da crise na habitação do que ao combate e à resolução de muitos dos seus impactos e problemas: o problema no aceso à habitação (compra ou arrendamento) está no preço das habitações, nas prestações do crédito bancário ou no valor das rendas, e não nas taxas ou impostos como o IMI ou o IMT; a redução do IVA na construção não leva à diminuição dos preços de venda, apenas facilita o custo da construção e não o reflexo no preço final do imóvel; o fim do teto do arrendamento vai aumentar a especulação e a crise; muito do que se passa, hoje, na crise habitacional (que é quase universal) tem a ver com o descontrolo e a liberalização do Alojamento Local, dos vistos gold e dos fundos de investimento. Além disso, a intenção do Governo de reservar ao programa um papel determinante dos Municípios (que, em parte, já o têm) é apenas o de proteger o Governo caso o programa falhe, na sua essência (o que é o mais provável da forma como se perspetiva o seu desenho), e transferir para os Municípios a responsabilidade. Ou seja, se correr bem os louros são da estratégia do Governo, se correr mal foi incapacidade dos Municípios.

Assim sendo, o que fez o Governo (e a sua bancada parlamentar) nestes 30 dias de governação (ou um pouco mais que isso)? Criou uma narrativa pueril e triste da vitimização política, com dois objetivos claros: transferir responsabilidades para a oposição, nomeadamente o PS, e criar um cenário favorável numa provável eleição antecipada no final deste ano.
A narrativa da suposta e alegada incoerência orçamental e das contas públicas, já tantas vezes desmascarada e explicada por Fernando Medina, pelo PS e por especialistas (nem a própria insuspeita Manuela Ferreira Leite embarcou na falácia) que serve apenas para justificar a incompetência, a incapacidade e a impossibilidade de cumprir as utópicas e demagogas promessas eleitorais, irrealistas e sem consistência ou sustentabilidade, proferidas antes das eleições de 10 de março de 2024. Professores, médicos, enfermeiros, oficiais de justiça, forças de segurança, trabalhadores, famílias, … .
Como se não bastasse, piro a emenda que o soneto, o Governo junta a narrativa pífia, vil e mesquinha da alegada, bem como fantasmagórica e imaginária, força de bloqueio parlamentar entre PS e Chega (como se não houvesse mais partidos na Assembleia da República a votar contra o PSD, começando logo pela IL que nem quis fazer parte da solução governativa… já imaginava o que daí viria).
Felizmente a maioria dos portugueses não é assim tão politicamente iletrada como o PSD pensa, nem ingénua ou parva. O normal processo de apreciação e deliberação legislativo na Assembleia da república nada tem a ver com eventuais ou possíveis acordos previamente estabelecidos. Tem a ver com a simples bondade das propostas a votação e com os impactos que as mesmas possam ter na vida dos portugueses e na sociedade. Como sempre aconteceu na história de democracia portuguesa e acontece em qualquer parte do mundo democrático. Querer transformar o normal funcionamento parlamentar em tudo o que ele não é, só significa e espalha a incoerência, o desnorte, a inaptidão e a incapacidade governativa deste (des)Governo da (recauchutada) AD.
Aliás, é bom recordar ao Primeiro-ministro que, enquanto líder da bancada social-democrata ou enquanto líder do PSD opôs-se e solicitou a Rui Rio que o fizesse, em nome do PSD, a 8 consecutivos Orçamentos do Estado, alguns até mesmo sem ser conhecido o documento a aprovar. Ou, por exemplo, que, na última legislatura, o Chega aprovou 88% das propostas apresentadas pelo PSD, ou o BE com 54%, ou o Chega que aprovou 48% das propostas do PCP, acompanhado pelo PSD em 17%. Aqui já não havia “forças de bloqueio”, era apenas a democracia a funcionar.

Se o Governo não sabe ou não consegue governar, se teima em não sair da linha de partida da tal corrida de fundo (quando todo os outros já levam 30 dias de avanço), há, felizmente, quem cumpra a sua função legislativa e parlamentar, quem cumpra as promessas eleitorais sem perder tempo, nem esperar por estratégias políticas. Como, esse sim, o acordo falhado entre PSD e Chega nas medidas de alteração do IRS.
Luís Montenegro ou governa ou habitua-se a um PS que não está na oposição, na política, no Parlamento Europeu e na Assembleia da República para arrastar os pés.

A propósito e como nota de rodapé: o que é feito da STOP e da FENPROF? O que é feito dos sindicatos da PSP e da GNR? O que é feito da FNAM e do SIM? O que é feito do professor que morava numa carrinha (espero que já tenha encontrado um T2 duplex)? O que é feito da médica "ativista" do Hospital de Penafiel, com mais 2 ou 3 “hobbys profissionais" no privado (espero que já tenha recuperado do cansaço e do burnout profissional)? É que terminada a campanha eleitoral desapareceram do mapa como que por magia política.