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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Hasta la vista… dignidade política.

há mais vida para além da gravidade das influências dos políticos

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Publicado na edição, de hoje (5DEZ2023), do Diário de Aveiro (página 6).

A relação entre os cidadãos e a política (políticos e partidos) tem sido, há algum tempo, tema de várias análises e avaliações, seja no âmbito da sociologia, seja na ciência política. E, comprovadamente, um problema factual.

Neste campo, tem sido apontada como principal causa, ou principal fator, de afastamento os contextos de (alegada) corrupção ou da falta de transparência nos atos de gestão da coisa pública.

Sem colocar em causa que este é um problema endémico e sistémico significativo na sociedade e na política, a verdade é que essa relação fragilizada entre eleitores e política não é, de todo, contexto e realidade única, bastando comparar com a relação entre cidadãos e a Justiça, muito também pela forma judiciária com que o sistema penal encara e enfrenta a política e a democracia. E não é só de agora, não é só com os casos mais recentes que têm marcado a crise política nacional.

Deste modo, entendo que há um fator mais preeminente nesta ligação entre cidadãos e política (políticos e partidos) e que tem a ver com a aceção de dignidade e responsabilidade política. Mais pela vertente discursiva e da função/cargo, do que propriamente (mesmo sem desvalorizar) nos chamados “casos e casinhos justiceiros”.

É esta dimensão de elevação, de dever, de comprometimento que mais pesa na aproximação ou afastamento entre eleitores e eleitos.

Quando, em inúmeros contextos da vida política, seja de âmbito nacional ou de âmbito local, muito se tem falado na necessidade de dignificar as Instituições e, principalmente, os órgãos que são os pilares da nossa democracia (nacional ou local, com as devidas contextualizações) – como a Presidência da República, o Órgão Deliberativo (Assembleia da República ou Assembleias Municipais e de Freguesias), o Órgão Executivo (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia) e os Órgãos Judiciais – é doloroso assistirmos a alguns discursos na Assembleia da República, espaço que deveria ser, por excelência, a “casa da democracia”, de confronto político-partidário com sentido ético e responsável, de dignidade da representatividade plural pela vontade expressa que cada um de nós transfere em cada processo eleitoral.

É angustiante rever (ou ter mesmo visto em direto) a intervenção do líder do Iniciativa Liberal, no encerramento do debate sobre o Orçamento do Estado para 2024.

A capacidade deplorável com que consegue colocar o debate e o confronto (legítimo e desejável) democrático e político abaixo de um stand-up comedy de nível questionável ou da pior tragicomédia é, de facto, soberba. E já não é, ou foi, caso único… é recorrente esta tentativa falhada de liberalismo ético ou da piadola fácil e grotesca, que tem feito cair a máscara aos “lobos com pele de cordeiro” dos anarquistas liberais, que tem demonstrado um partido ao nível do radicalismo extremista da direita (não anda, em nada, muito longe disso). Tanto que a mais recente “transferência” de militâncias do IL para o Chega, por afinidade de valores e convicções, não é nada de se estranhar.

Tal como não se estranhou os mais que condenáveis factos ocorridos, em maio deste ano, com o vídeo de um youtuber promovido pelo IL, em pleno Palácio de S. Bento. Tal como não se estranhou a fragilidade da coligação pós-eleitoral na Região Autónoma dos Açores. Tal como não se estranhou a opção do PSD Madeira em sustentar a governabilidade, pós-eleitoral, preferindo surpreendentemente a deputada eleita pelo PAN ao deputado eleito pelo IL. Tal como não se estranha a incapacidade e indisponibilidade para uma coligação pré-eleitoral com o PSD para as eleições do próximo 10 de março.

A esta opção execrável (mas que, obviamente, também é só um problema para o próprio IL, felizmente para o país) de imitar e concorrer com o extremismo e radicalismo, ainda mais à direita, para a deterioração e enfraquecimento da política, há de chegar o momento em que a democracia e a dignidade política são também capazes (parafraseando o lastimoso final da intervenção de Rui Rocha no debate do Orçamento do Estado, na passada terça-feira) de dizer hasta la vista partidito… para bem de todos nós.