Haver ou não haver guerra... eis a questão.
Ou como paira no ar uma ilusória sensação de paz.
Não alinho no coro (que acho desafinado) daqueles que acham que caiu o pano sobre um eventual conflito Irão(Iraque)/Estados Unidos da América.
Assim como também não alinho naqueles que acham que podemos voltar todos à normalidade, que não há mais "nada para ver" depois dos acontecimentos que ditaram a morte do general iraniano Qasem Soleimani.
Tudo porque a reacção norte-americana à resposta iraniana à morte de Soleimani foi uma patética declaração de Trump.
Seria então preferível que os Estados Unidos cumprissem as ameaças do presidente norte-americano? Obviamente que não... ninguém, no perfeito juízo (algo que falta para os lados da terra do 'Tio Sam'), preferirá a guerra/violência.
Mas também é óbvio que tinha sido (mais) preferível que Donald Trump tivesse tido o bom senso (se é que isso é possível) de não ter tomado um dos maiores erros geopolíticos, como foi a decisão assumida no final da passada semana (3 de janeiro).
Mas apesar da reacção norte-americana aos mais de 20 misseis literalmente "descarregados" pelo Irão contra duas bases militares americanas sediadas em Al Assad e Erbil, no Iraque, ter sido um chorrilho de demagogias proferidas por Trump (e não, felizmente, uma resposta militar) ainda me falta muito para poder ficar convencido que tenha regressado a normalidade (ou alguma normalidade possível). Não me parece...
Do lado iraniano, o primeiro passo foi dado para vingar a morte do seu principal general. Aliás, afigura-se claro que a retaliação foi cirurgicamente preparada, evitando propositadamente vítimas, mas, simultaneamente, mostrando (internamente) aos iranianos que a morte de Soleimani não será facilmente esquecida.
Segue-se o crescimento da aversão e do ódio aos Estados Unidos (e respectivos aliados), o desejo que as tropas americanas instaladas em toda a região (e não apenas no Iraque) abandonem as suas bases militares. Há ainda o jogo geopolítico da vontade do Irão se afirmar na região e provocar o isolamento e enfraquecimento dos três principais aliados 'ocidentais': Israel, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Por último, apesar das circunstâncias, esta foi uma janela de oportunidade única para o Irão ter um argumento de peso para rasgar o acordo de limitação nuclear - Plano Conjunto de Acção, assinado em julho de 2015.
Do lado norte-americano a desgraça política e estratégica é quase total. Nem o facto de terem morto Soleimani escapa ao deplorável jogo político de Trump para salvar a pele como presidente, que nem para "consumo interno" consegue afirmar-se.
O argumento de terrorismo, independentemente dos actos militares cometidos às ordens do general iraniano, é perfeitamente inconsistente. O principal inimigo terrorista dos Estados Unidos, como os próprios americanos há muito determinaram, tem sido o jihadismo islamita (salafita e wahabita) presente na Al Qaeda, no Daesh, nos afegãos Talibãs, nos sírios do Jabhat Fateh al-Sham ou nos africanos Boko Haram. Grupos terroristas do extremismo islâmico que o Irão repugna e que o próprio Soleimani combateu. É, portanto, uma justificação de Trump, no mínimo, incongruente.
A verdadeira razão para esta decisão absurda e (extremamente) perigosa, ainda longe do seu fim, foi, claramente, uma razão de ego político e de salvar uma imagem política caduca, perante o risco de perder a reeleição nas próximas eleições (daí o repetido e absurdo discurso crítico em relação à Administração Obama) ou ainda a embrulhada política que levou ao processo do impeachement.
A declaração de hoje (8 janeiro) de Donald Trump não é mais que a consciencialização de uma enorme derrota política e geoestratégica. O assassinato de Qasem Soleimani não teve qualquer legitimidade internacional (ONU/Conselho de Segurança) ou suporte e apoio dos tradicionais aliados americanos, nomeadamente a União Europeia e a NATO. Mais ainda... o que se esperava ser um trunfo político eleitoralista resultou numa estrondosa falha estratégica já que nem internamente (nos Estados Unidos) a decisão de Donalda Trump foi consensual. Aliás, bem longe disso.
Os riscos de uma escalada de violência e uma indesejada eventual repetição da Guerra do Golfo (do início da década de 90), com clara vantagem no terreno para o Irão, a inquestionável entrada em cena, mais tarde ou mais cedo, da Rússia e da China como claros opositores de peso aos estados Unidos, pesaram, mesmo que tardiamente, na decisão americana de não retaliação.
Donald Trump e os Estados Unidos viram-se, de repente, obrigados a recuar e a redirecionarem a sua estratégia e discurso para o low profile político da temática da produção Nuclear e do Acordo rasgado, tentando, com isso, colocar a comunidade internacional ao seu lado. Mas mesmo neste campo, nem tudo é ouro sobre azul para a Administração Trump. Não é, de todo, previsível que o Irão queira sentar-se à mesa de uma negociação com o principal "inimigo público", com um país e um presidente que não inspira qualquer tipo de confiança e respeito.
A embrulhada está feita... os nós para desatar são vários, os cenários são múltiplos e, sinceramente, a procissão ainda vai no adro. Infelizmente para o Mundo.