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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Horóscopo político e social para 2024

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Publicado na edição de hoje, 8 de janeiro, do Diário de Aveiro (página 10)

Tudo indicava que, após os dois anos negros da pandemia, as nossas vidas tomassem o rumo da normalidade. Nada apontaria para que o mundo assistisse e sofresse os impactos da inqualificável invasão da Rússia à Ucrânia, com as conhecidas (e sentidas) consequências na economia internacional, para além, obviamente, do desfecho na vida dos ucranianos.
À
dificuldade sentida por parte da comunidade internacional, da União Europeia, da ONU e da Nato em capacitar e apoiar, de forma eficaz, a Ucrânia nesta batalha que já leva quase dois anos, acresce o despoletar do conflito na Faixa de Gaza, entre Israel e o Hamas.
Ou seja, em cima de uma pandemia e de uma guerra, o ano de 2023 viveu os impactos da crise inflacionista e da pressão económica, exigindo um esforço muito significativo aos portugueses e ao Governo, nomeadamente na sua responsabilidade social.

Seria expectável que este novo ano pudesse trazer alguma perspetiva de mudança e de retoma. Esperança, haverá sempre. Mas o ano de 2024 nasce envolto numa nuvem de incerteza mais ou menos acinzentada.
Primeiro porque os conflitos internacionais mantêm-se e tendem, preocupantemente, a alargar-se. Para além do perigo do surgimento de novas conflitualidades geopolíticas, seja no alargamento no Médio Oriente, seja na própria Europa, na Ásia (China vs Taiwan), na península da Coreia ou em África. E não se pense que estas realidades nos são indiferentes ou passam ao lado do nosso dia-a-dia e das nossas rotinas diárias. Bem pelo contrário, trazem impactos muito relevantes em termos políticos, sociais e, ainda, económicos. Longe vão os tempos em que o nosso quotidiano se compaginava às fronteiras de cada país. A globalização dos dias de hoje vai muito para além das transações comerciais da sua origem.
Segundo, apesar de ser notória a melhoria das condições de vida das pessoas e do Estado (aumento dos salários e pensões, alteração das taxas de IRS, incentivos para os jovens, o combate à inflação que permite alguma retoma do poder de compra, aumento dos apoios sociais e o combate à diminuição da pobreza (abaixo dos valores de 2015), estabilização das contas públicas e da economia, mais e melhor emprego, entre outros) há ainda desafios por cumprir: a melhoria dos serviços públicos, investimento público, por exemplo, na habitação ou na ferrovia. Por isso, a estabilidade e a continuidade do caminho traçado tornam-se importantes para o desenvolvimento do país e para as respostas sociais e económicas que os cidadãos precisam face à incerteza da conjuntura internacional e dos impactos que possam daí advir.

Mas há ainda um aspeto que determina alguma preocupação (ou muita preocupação) para a vivência em 2024. Não por pessimismo declarado, mas com algum otimismo moderado.
Todos os contextos acima expostos - a conflitualidade presente e latente entre os povos e culturas ou a realidade social e económica – dependem, em grande parte e muito significativamente, da forma como em 2024 for encarada, preservada e promovida a democracia.
Há, nesta vertente, um alheamento muito preocupante e grave por uma grande parte dos cidadãos, desvalorizando e menosprezando o valor e o papel da democracia no desenvolvimento político, social e económico da sociedade. Sem uma democracia estável, sem a valorização dos seus princípios e alicerces não haverá desenvolvimento e sustentabilidade económica, estabilidade social e qualidade de vida, garantia dos direitos e liberdades fundamentais.

E este é o grande desafio de 2024, seja dos Estados, das nações e dos povos, das instituições, mas, acima de tudo e principalmente, de cada um de nós.
É fácil, e, porventura, legítimo, afirmar-se que não é a “democracia” que paga a conta do supermercado, a prestação ao banco ou a renda da casa, a despesa na farmácia, a conta da luz, da água ou do gás. Mas é.
É numa democracia sólida, consistente, fortificada que a economia se pode desenvolver, que os rendimentos das famílias podem crescer, que o emprego pode prevalecer, que o Estado Social pode cumprir o seu papel e a sua função. E esta realidade, não sendo uma factualidade material, é o suporte para que a qualidade de vida e a subsistência quotidiana tenha mais eficácia e mais presença na “carteira” de cada um de nós.

No Mundo, ao qual não podemos, nem devemos, permanecer tão alheios e indiferentes quanto parece estarmos, em 2024 estima-se que cerca de 4,2 mil milhões de pessoas (52% da população mundial) sejam chamadas a exercer o seu direito (e dever) em cerca de 80 atos eleitorais. Em Portugal serão três as eleições que exigem a participação massiva dos portugueses: eleições regionais nos Açores em fevereiro, as ‘antecipadas’ legislativas de 10 de março (evitáveis se a atitude institucional do Presidente da República tivesse sido outra… infelizmente não foi) e as eleições europeias de junho próximo.

E porquê o receio em relação a um dos principais valores da democracia? Porque, infelizmente, o risco de ser colocado em causa o valor e a sobrevivência da democracia é (e tem sido) muito significativo.
É, precisamente, este combate pela preservação da ética e dos valores democráticos, pela garantia da liberdade e pela preservação do Estado de Direito que é preciso manter e reforçar. E este combate só se ganha se o exercício do direito (e dever) de voto for uma prioridade para cada cidadão e se manifestar por um claro e evidente distanciamento e uma desejada derrota do extremismo e do radicalismo.
Sem qualquer receio do que os resultados possam trazer para maior ou menor estabilidade política, ao contrário do que os (muitos) paradoxos presidenciais possam sugerir quando, ainda bem longe do processo eleitoral, Marcelo Rebelo de Sousa possa já prever a sua terceira dissolução parlamentar (das quais teve e terá a grande parte de responsabilidade).

Se o “povo é quem mais ordena”, então caberá ao povo defender a democracia dos ataques populistas, antidemocráticos, extremistas e radicais, e não ficar refém de um estado de alma partidário e ideológico do Presidente da República.