Ideologia ou Pragmatismo
publicado na edição de hoje, 21 de fevereiro, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Ideologia ou Pragmatismo
Já o afirmei consideráveis vezes que os mandatos de Cavaco Silva na Presidência da República não deixarão saudades, nem terão na história política de Portugal qualquer posição de destaque. Mas houve, ponto a ponto, uma ou outra afirmação e leitura presidencial que merece, mesmo com algum esforço, alguma atenção. No meio do turbilhão pós eleições legislativas de 2015, o ainda Presidente da República alertou para a necessidade de se ponderar entre a ideologia e o pragmatismo. Retirando desse contexto legislativo o terreno exclusivamente ideológico-partidário, importa colocar o objecto na actual conjuntura política assente na questão do Orçamento do Estado para 2016.
Ao contrário do que muitas vezes se afirma e pensa um Orçamento do Estado não é um mero exercício financeiro, embora a sua estrutura seja uma operação económico-financeira. Mas a sua concepção não o é. É um exercício político e, nalgumas realidades, ideológico. E neste último aspecto o orçamento do estado para 2016, que anda de errata em errata, de avaliação em avaliação, de julgamento em julgamento, tem aspectos, mesmo que ténues, ideológicos. O que não tem é, ao contrário do que se supões, menos austeridade e menos sacrifícios; são aplicados de outra forma, com outra concepção. Mas não se pense que não há cortes, não se pense que não haverá dificuldades perante o aumento do custo de vida, não se pense que não há uma significativa carga fiscal (só aí é o que os Estados conseguem receitas, em qualquer lado), não se pense que as tributações por via indirecta (impostos indirectos) não afectarão a vida das pessoas.
Este exercício já está feito, já foi demasiadas vezes alterado e corrigido, já está avaliado com todas as dúvidas e interrogações (seja interna, seja externamente), já tem um conjunto previsível de rectificações e alternativas para serem de novo avaliadas (pela Europa) e apresentadas se for caso disso. O confronto e o conflito entre a ideologia orçamental e o pragmatismo da realidade política, económica e social que actualmente vivemos ditarão o resultado final. Há, no entanto, um aspecto que importa evidenciar: o lado político deste Orçamento do Estado.
Que o mesmo será aprovado não restarão quaisquer dúvidas, mesmo perante a demagogia política do Bloco de Esquerda e do PCP na tentativa dos seus afastamentos de responsabilidades perante o Orçamento. Este não é um Orçamento do Estado do PS; é um Orçamento do Estado do PS, enquanto Governo, e do BE e do PCP enquanto compromisso de maioria de esquerda, celebrado e assinado no final de 2015. Não vale a pena outro tipo de discurso político. É uma enorme irresponsabilidade e uma inquestionável incoerência virem para a opinião pública afirmarem que este não é o seu governo, este não é o seu Orçamento e as suas políticas, quando o acordo tem as suas assinaturas. Não vale a pena… a factura política terá sempre três destinatários. A jogada política de não fazerem parte, directa, do actual executivo governamental não desresponsabiliza o BE e o PCP do apoio político parlamentar e governamental. E é nesta vertente que importa perceber qual o impacto político do Orçamento para 2016. Este Orçamento é viabilizado porque existe uma particular concepção da democracia. O PS sobrevive politicamente e o Governo resiste no poder porque o BE e o PCP tudo farão para que não haja lugar a eleições antecipadas que, em teoria, poderão beneficiar de novo a direita e poderão levá-la novamente à governação. É esta a conjuntura política nacional que temos: não é um esforço conjunto e equilibrado de ideologia e alternativa política em relação ao passado recente, mas sim um combate ideológico claro do BE e do PCP ao arco partidário da direita, usando o PS como arma e argumento políticos.
E para além de eventuais impactos na economia, finanças e desenvolvimento do país, a maior interrogação reside em saber que consequência política terá a execução orçamental do OE2016. Importa saber até que ponto BE e PCP estarão disponíveis para manter esta postura política face a eventuais pressões externas internacionais, face a orçamentos rectificativos que possam vir a ter lugar durante este ano que alterem o quadro ideológico do orçamento e, principalmente, no final deste ano quando se proceder à elaboração do Orçamento para 2017 que muito dificilmente assentará nas mesmas política e premissas do deste ano.
Nessa altura, por mais retórica e demagogia política que seja usada, as responsabilidades caberão a todos: PS, BE e PCP. Sem excepção. É o pragmatismo da vida.