Legislativas 2022: Os danos colaterais...
ou, na gíria... apanhar os cacos
Nem só de votos, de percentagens e de mandatos (sobre)vive um acto eleitoral. Há, em cada resultado, consequências político-partidárias, com manifesto impacto dos resultados negativos ou menos positivos.
Analisados os primeiros, surgem, agora, os efeitos colaterais das derrotas eleitorais.
De forma breve...
1. Comecemos pelo PSD, por uma questão de proximidade e de afinidade.
O problema do PSD não está, de todo, (nem esteve) em Rui Rio. Aliás, como refere (neste caso) bem João Miguel Tavares no artigo de opinião publicado esta semana, no jornal Público (artigo exclusivo para assinantes). Uma das razões (não a única, naturalmente) para a surpresa da maioria absoluta conquistada pelo PS foi a competência de Rui Rio, demonstrada na pré-campanha, durante os debates com a esquerda e, principalmente, com António Costa, a incerteza quanto ao desfecho das eleições até perto do final da campanha, que resultou num massivo voto útil no dia 'D', na ida às urnas (com assinalável presença da maioria dos eleitores).
Ao PSD e a Rui Rio faltou a mobilização para igual voto útil à direita, repartida pelo aumento do liberalismo (que ocupou, claramente, o espaço do CDS) e pelo crescente voto de protesto contra o sistema e pelo populismo fácil do radicalismo e extremismo, agravado pelas "vicissitudes" do método de Hondt e dos desequilíbrios da representatividade dos círculos eleitorais ("em 1995, António Guterres teve 43,8% dos votos e 112 deputados. Em 1999, teve 44,1% dos votos e 115 deputados. (...) nunca atingiu a maioria absoluta. Em 2022, António Costa teve 41,7% dos votos e vai conseguir chegar aos 119 ou 120 deputados. (...) O PS obteve um deputado por cada 19.200 votos. O CDS teve mais de 86.500 votos e conseguiu zero deputados." - João Miguel Tavares, no jornal Público).
É óbvio que o PSD e Rui Rio cometeram alguns erros durante esta campanha eleitoral (contrariando a onda empolgada pelas internas, pelo congresso e, principalmente, pela pré-campanha): ao contrário de António Costa, que nunca teve qualquer problema em criticar e acusar BE e PCP, Rui Rio foi demasiado vago, suave e ambíguo no confronto com a direita; por outro lado, à campanha faltou a afirmação (e confirmação) das questões sociais, das pessoas, da responsabilidade social do Estado, da educação, da segurança-social, dos salários absorvidos pela crescente inflação e consequente diminuição do poder de compra, da própria saúde (apesar de ter tido, infelizmente, a presença da Bastonária dos Enfermeiros ao seu lado). Além disso, importa não esquecer os que teimam em desviar (e vão acabar por conseguir, novamente) o PSD do centro político, e que não tiveram, saudosos de um passado bem recente e de um possível sebastianismo, qualquer pudor, nem constrangimento partidário, em apoiar o crescimento da IL.
É quase certo que, pelas declarações do próprio na noite das eleições, pelo decurso dos acontecimentos e, fundamentalmente, pelo ressuscitar das "víboras políticas internas" que, mais cedo ou mais tarde, haja a substituição de Rui Rio na liderança do PSD. Mas como ninguém é insubstituível, o que se afigura como mais preocupante é que, no tão desejado e apetecível congresso, já tão badalado, para a definição estratégica do partido, se assista a um retrocesso programático e ideológico da génese social-democrata do PPD-PSD.
Já me estou a ver, com o regresso do "passismo", politicamente orfão, de novo.
2. As exéquias políticas do CDS.
Não bastava a crise funcional (agravada pela crise financeira conhecida), os conflitos internos, os inúmeros abandonos mais ou menos formais, uma liderança muito pouco sólida e pouco aglutinadora, chegados às eleições deparamo-nos com um partido preocupado com uma "prima modernaça", um "primo sem maneiras" e um "irmão desaparecido em combate". Tinha tudo para correr mal... e correu bem mal.
Ao fim de quase 48 anos de existência e de história partidária, pela primeira vez, em toda a sua existência política, o CDS deixou de ter representação parlamentar e qualquer deputado na Assembleia da República. Não será só o "malfadado" método de Hondt e os círculos eleitorais a ditarem esta tragédia. O resultado de 2019 (bem longe dos mais de 650 mil votos em 2011) já não foi, por si só, famoso, mas a perda de quase 130 mil votos ditou o descalabro total para o lado do Largo do Caldas.
Apesar das manifestações públicas de alguns dos seus militantes, dirigentes e eleitos (autarquias e Parlamento Europeu), apesar da sua representação no Poder Local (Câmaras Municipais, Assembleias Municipais e de Freguesia), a ausência do espaço e do palco político por natureza - a Assembleia da República - não deixa grandes perspectivas de sobrevivência partidária ao CDS, principalmente porque se irá reflectir num afastamento ao eleitorado e por uma irrelevância na discussão política nacional.
3. À esquerda, "não vai tudo, tudo tudo??!!! Nada...".
Falhou tudo ao BE e ao PCP, desde novembro de 2021. Ou, para sermos mais concretos, desde 2019 (para não recuarmos a 2015).
Falhou a opção política do chumbo do Orçamento, fazendo regressar o "fantasma" de 2011 com a queda do governo de José Sócrates. Falhou a capacidade de fundamentação e argumentação para que os portugueses (e não apenas os seus eleitorados) percebessem a motivação para a opção tomada. Falhou a capacidade de envolverem o PS numa responsabilidade tripartida pela crise política (a quatro se juntarmos, com razão, o Presidente da República). Falhou a constante referência ao Chega que apenas resultou na sua vitimização política, em palco mediático e no seu crescimento. Falhou a retórica do perigo da maioria absoluta do PS.
Numa coisa BE e PCP têm, de facto, razão... foi o receio de uma vitória do PSD, o receio de uma bipolarização política ao centro (o mito do bloco central) ou de uma hipotética e eventual geringonça à direita que a esquerda (incluindo inúmero eleitorado bloquista e comunista) se mobilizou no voto útil.
A par disso, BE e PCP levaram, claramente, um "cartão vermelho" pelo desaire da geringonça e por algum sentimento de traição dos seus eleitorados, optando os eleitores à esquerda do PS por preferirem assegurar a estabilidade governativa, apesar de ser com maioria absoluta.
Há, no entanto, algo que diferencia e distancia o contexto e o futuro político-partidário do BE e do PCP em relação ao CDS. Primeiro, porque continuam, mesmo com menos 20 deputados, a manter representação parlamentar. Segundo, porque da mesma forma que, a 30 de janeiro, o seu eleitorado tomou esta posição radical do voto útil no PS, também, daqui a quatro anos, por força do desgaste governativo que existe sempre e por alguma desilusão política que possa surgir, os votos regressam ao boletim do BE e do PCP. Até porque, para além da presença na Assembleia da República, o PCP e o BE têm um trunfo que o CDS não tem (nem nunca teve): a presença na rua, no confronto social, no sindicalismo (apesar dos tempos complexos que o sindicalismo atravessa, hoje).
Por natura, as travessias do deserto em tempo de oposição não são fáceis de gerir... muito mais difíceis se tornam quando confrontados com uma governação em maioria.