Medidas marginais resultam da falta de estratégia. São placebos políticos.
(fonte: jornal Expresso)
A propósito da crise na habitação e de alguns pressupostos aqui explanados (“A habitação é um direito… um dos primeiros” ou no podcast “Politicamente Insurreto”) é com enorme surpresa que a ministra que tutela a pasta da Juventude vem confirmar o que muitas vozes, mesmo fora do universo político, já tinham referido a propósito das medidas recentemente aprovadas sobre os apoios aos jovens na área da habitação. Concretamente sobre a dúvida quanto à sua eficácia, quanto aos resultados e efeitos práticos, para além de alguns riscos associados, como por exemplo, o efeito perverso de provocar mais aumento nos custos dos imóveis (compra e arrendamento), o acomodar dos encargos e dos riscos financeiros inerentes nos custos bancários (precavendo prováveis incumprimentos) e o prescindir de receita, de forma displicente, que poderia ser alocada a outro tipo de apoio social, despesa ou investimento.
E até podemos deixar de parte as dúvidas quanto à segregação e setorização que as medidas apresentam, pela falta de equidade, de justiça social e de qualquer argumento consistente e comprovado quanto ao teto etário (pelo menos).
A ministra Margarida Balseiro Lopes, em entrevista à SIC, no dia 1 de agosto, (e o canal televisivo em causa não é uma escolha displicente e inócua… como podia ter sido, por exemplo, no Observador) afirmou e admitiu que «estes apoios não vão resolver o problema da habitação em Portugal e podem ter, até, um efeito marginal», para além de potenciarem o valor do mercado.
De facto, como já foi mais que referido por políticos e, nomeadamente, por especialistas em economia e finanças, em mercado imobiliário, do tecido associativo do sector, esta medida, à qual acresce ainda a garantia do Estado para obter financiamento a 100% (apontado para vigorar a partir de setembro), não vai permitir a todos os jovens, nem sequer à sua maioria, começarem a comprar casa. Deixará a maior fatia de fora, excluídos, garantindo apenas àqueles que tenham capacidade para pagar a prestação ao banco, que tenham capacidade para o serviço da dívida, ou seja, cuja taxa de esforço esteja abaixo do permitido pelo supervisor bancário.
Quando os dados mostram quem 3 em cada 4 jovens ganham pouco mais que mil euros (líquidos) por mês, o que não constituiu capacidade financeira para aceder a condições de crédito (por volta de 100 mil euros) que permitam enfrentar o mercado da compra (e do arrendamento, também) demasiado voraz, a medida cria uma enorme injustiça social, uma fragmentação etária, deixando de fora os jovens que ganham pouco (a maioria) e não têm capacidade para superar a taxa de esforço que é exigida face aos seus rendimentos.
E, por outro lado, deixa de fora todas a pessoas que não têm 35 anos. Aliás, longe da reposição da “normalidade fiscal” quando, em 2004 a isenção do IMT era acessível a todos, na compra da primeira habitação, independentemente da idade (com o teto máximo que correspondia à média do valor de mercado para um T1).
Mesmo em relação à Garantia Pública do Estado um jovem, face aos valores dos salários em Portugal, que não tenha capacidade financeira para a entrada ou para o valor contratual de promessa compra e venda, vai ver o valor da sua dívida bancária, o valor do empréstimo e o serviço da dívida, aumentar. Se as dificuldades eram muitas, elas vão, forçosamente, crescer ainda mais.
A Garantia Pública do Estado afigura-se mais como um apoio direto ao sistema financeiro, às entidades credoras (os bancos) assegurando e garantindo o cumprimento de todos os compromissos no processo de crédito à habitação. Não é, pois, aos jovens que o Governo, o Estado, assegura a garantia. É ao sistema bancário.
Estas medidas são, sobretudo, para jovens que se podem endividar e que se querem endividar (ou para as famílias que tenham essa capacidade de financiarem os seus filhos). Um número muito reduzido, residual. Aliás, em alguns países da Europa em que políticas semelhantes foram adotadas o impacto foi inferior a 1% dos empréstimos contraídos. E falamos de realidades e dimensões bem diferenciadas das de Portugal.
Por fim, fala-se muito na emigração jovem e no abandono do país por parte dos jovens. Não são estas medidas paliativas, conjunturais e não estruturais, que fixarão os jovens. Os jovens procuram os "el dorado europeu" (essencialmente) por causa dos salários, pelas oportunidades laborais e profissionais (inovação, conhecimento, academia, inovação, investigação), face a um país que pouco mais tem para oferecer que turismo (segunda-feira, na crónica semanal), também pela habitação, mas, essencialmente, pela dificuldade de acederem ao mercado devido ao preço dos imóveis e aos valores do arrendamento, e não às taxas e impostos.