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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Muito para além dos números

publicado na edição de ontem, 14 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Muito para além dos números

Eis-nos entrados no mês de dezembro.
Não é só o frio que impera, o Natal que se aproxima, o fim de mais um ano. É também o mês da proliferação (excessiva, diga-se) dos jantares de natal; os dos amigos e os das empresas. Há também os jantares promovidos por muitas associações e instituições que aproveitam estes eventos para associarem aos mesmos algumas acções solidárias. Aliás, acções solidárias, a diversos e inúmeros níveis, que aproveitam o chamado “espírito natalício” para apelarem à solidariedade dos cidadãos numa altura em que as pessoas estão mais disponíveis emocionalmente para ‘ajudar’ e apoiar, mesmo com as dificuldades que ainda são sentidas em consequência da crise que ainda não se dissipou.
Há quem critique estas campanhas, os seus impactos, as suas intencionalidades, as suas eficácias, seja no combate, seja na prevenção, de situações de exclusão ou pobreza. Há ainda a habitual dialética entre a solidariedade e a ‘caridadezinha’. É verdade que, infelizmente, há de tudo. Há que ter a sensatez de analisar individualmente cada acção solidária, ter o discernimento para prever eventuais campanhas falsas, e acima de tudo tentarmos perceber o que seria de milhares de famílias, seja nesta época ou noutra qualquer altura do ano, sem a solidariedade dos outros.

Os indicadores apresentados pelo Governo revelam um decréscimo na taxa de desemprego (já aqui analisada por diversas vezes, com a ‘influência’ demográfica e do recurso às acções de formação) e uma retoma, mesmo que residual, da economia (muito por força das exportações, mais do que o mercado interno/consumo). Persistem ainda aos impactos da crise financeira os baixos investimentos públicos e privados, a baixa taxa de criação de emprego e o diminuto valor salarial. Mas mesmo que para além dos indicadores referidos (a título de exemplo) haja ainda outros que perspectivam alguma esperança para o futuro de Portugal, há a realidade de um país que “vive” muito para além das folhas de excel orçamentais: os dados e a vida de um país profundo e real… o do dia-a-dia da maioria dos portugueses; um país, dois retratos.

E nesta ambiência de jantares e campanhas solidárias é importante, acima de tudo, focar o essencial.
Segundo um estudo publicado na revista Proteste (da Deco, com a qual não “morro de amores”, diga-se) revela que mais de 40 mil idosos (entre os 65 e os 79 anos) passam fome em Portugal.
Segundo dados divulgados pelo INE e por diversas entidades e instituições, cerca de 1/4 da população portuguesa vive abaixo ou no limiar da pobreza (2,5 milhões de portugueses). Importa referir que a percentagem de cidadãos com o Rendimento Social de Inserção (RSI) não atinge os 5%.
Há cerca de 30% de menores em risco de pobreza. Há cerca de 11% da população activa (empregada, com vencimento) que, mesmo assim, se encontra em extrema privação material.
No conjunto dos 34 países que compõem a OCDE os 10% dos cidadãos mais ricos ganham cerca de 9,5 vezes mais que os mais pobres.
Muito recentemente, um estudo da Organização Internacional do Trabalho, assinado pela economista Rosario Vasquez-Alvarez, refere que as desigualdades em Portugal diminuíram. Mas… apenas porque os portugueses estão mais pobres. Há mais igualdade na pobreza, há menos ricos, há um nivelamento “por baixo” nos recursos dos cidadãos e das famílias.
O retrato do país real revela-nos, nos últimos anos oito anos, um aumento da pobreza, um crescimento da pobreza infantil, no aumento da taxa de trabalhadores em privação material, no elevado desemprego (apesar do recuo dos indicadores), na precaridade laboral e no baixo valor do trabalho, no ‘empobrecimento’ do Estado Social, na diminuição das desigualdades sociais em consequência do aumento da pobreza.

E há ainda outro ‘retrato’ relevante e com merecido destaque nesta época: a pobreza não são números… são rostos, bem reais.

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